O país ultrapassou 500 mil casos de coronavírus no sábado e parece estar longe de alcançar a meta estabelecida de 100 milhões de doses até julho
Quando os voluntários dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 perguntam às autoridades como serão protegidos contra a Covid-19, tendo em vista os atletas estrangeiros chegando ao Japão para o evento e a baixa taxa de vacinação do país, a resposta é simples.
Eles receberão um pequeno frasco de álcool em gel para as mãos e duas máscaras cada um.
“Eles não falam sobre vacinas, nem mesmo sobre nós sermos testados”, contou a voluntária alemã Barbara Holthus, que é diretora do Instituto Alemão de Estudos Japoneses da Universidade Sophia, em Tóquio.
Faltando 100 dias para os Jogos, já adiados no ano passado por causa da pandemia do coronavírus, ainda restam dúvidas sobre como Tóquio pode realizar um grande evento esportivo e manter voluntários, atletas, autoridades (e o povo japonês) protegidos contra a Covid-19.
A preocupação foi ampliada pela iminência de uma quarta onda no Japão. O país ultrapassou 500 mil casos de coronavírus no sábado (10), e algumas prefeituras estão novamente apertando suas restrições para a Covid-19 com a subida diária das infecções. Hideaki Oka, professor da Universidade Médica Saitama, disse que o Japão pode não ser capaz de conter a última onda antes do início dos Jogos, em 23 de julho.
Embora o primeiro-ministro Yoshihide Suga tenha reiterado na segunda-feira (12) sua promessa de garantir 100 milhões de doses de vacina até o final de junho, até agora o Japão vacinou apenas cerca de 1,1 milhão de seus 126 milhões de habitantes – ou seja, menos de 1% da população. Apenas 0,4% dos japoneses receberam duas doses.
A voluntária Holthus disse que apoiar os Jogos era para ser uma oportunidade “única na vida”. “Mas agora é só uma experiência muito perigosa”, lamentou.
Em um comunicado à CNN, a Tokyo 2020, organização responsável pelos jogos, escreveu que estavam se preparando para realizar “uma Olimpíada segura e protegida, sem presumir que haverá uma vacina e até mesmo sem vacinas. Ao mesmo tempo, esperamos que as vacinas sejam devidamente aplicadas no país e no exterior e que as infecções sejam, portanto, reduzidas como um todo”.
Lançamento lento
Com US$ 25 bilhões (cerca de R$ 143 bilhões) previstos para sediar as Olimpíadas, sem dúvida nenhum país da Ásia teve mais incentivos do que o Japão para controlar seus casos de Covid-19 e vacinar sua população.
No entanto, os reguladores japoneses demoraram a aprovar as vacinas contra a Covid-19 em comparação com outros governos, levando mais de dois meses para permitir o uso da vacina da Pfizer-BioNTech. O lançamento só aconteceu em fevereiro, e os idosos começaram a receber suas doses em 12 de abril, de acordo com a agência de notícias Kyodo News.
Especialistas disseram que parte do atraso se deveu à cautela oficial, uma maneira de evitar o ceticismo que prejudicou campanhas de vacinação anteriores no país. De qualquer forma, essa abordagem deixou o Japão atrás de outras nações asiáticas, como a China, que aplicou 171 milhões de doses, e a Índia, que já distribuiu 108 milhões de doses.
“Eles dizem que os idosos devem ser vacinados até junho, mas na verdade, mesmo as equipes médicas que estão tratando a Covid-19 ainda não foram vacinadas”, afirmou Oka, da Universidade Médica Saitama, acrescentando que não acredita no cumprimento dessa meta de vacinação.
O professor Oka disse que o governo deveria vacinar todos os atletas que entram no país para os Jogos. No entanto, o governo japonês tem resistido a essa abordagem depois que reportagens informando que atletas olímpicos seriam priorizados desencadeou uma reação negativa nas mídias sociais no Japão.
O governo da China se ofereceu para fornecer vacinas para todos os atletas nas Olimpíadas de 2020, mas Tóquio recusou a oferta, dizendo que nenhuma opção chinesa foi autorizada para uso no Japão
Os espectadores estrangeiros estarão proibidos de assistir à Olimpíada para tentar diminuir o risco de a Covid-19 se espalhar no evento. Mas mais de 11 mil atletas de mais de 200 países estarão lá.
Se não há planos de vacinar nem os atletas, as dezenas de milhares de voluntários participantes têm poucas chances de proteção.
A voluntária Holthus disse que a presidente da Tokyo 2020, Hashimoto Seiko, disse a voluntários durante uma ligação da Zoom que ela estava contando “com seus sorrisos” para tornar a Olimpíada um sucesso – uma afirmação particularmente chocante já que todos estariam usando máscaras.
“Disseram para nós: ‘Seu sorriso vai fazer a Olimpíada existir’ e a gente logo pensou se isso não era uma piada”, contou Holthus, que deve se voluntariar como cobradora de ingressos.
Outra voluntária que participou de uma palestra de 80 minutos sobre controle de doenças infecciosas para voluntários dos Jogos, disse que um importante especialista japonês em doenças infecciosas contou que eles não deveriam contar com a vacinação antes do evento.
“Ele disse que não haverá tempo suficiente para que as pessoas comuns sejam vacinadas, a menos que a gente fosse idoso”, relatou a voluntária, que pediu para permanecer anônima para evitar ser excluída de seu papel nos Jogos Olímpicos. Ela disse sentiu raiva e medo após a apresentação.
Participante de edições anteriores dos jogos, a voluntária disse que estava pensando em desistir, a menos que todos os voluntários fossem vacinados. “Não fazer isso é mostrar um desprezo imprudente por nossas vidas e pelo ambiente seguro ideal que o Japão, como país anfitrião, é obrigado a fornecer”, opinou.
A organização Tokyo 2020 não respondeu a perguntas sobre o conteúdo da apresentação feita aos voluntários.
E os atletas?
Mesmo países com quase nenhum caso de Covid-19 têm lutado para realizar grandes eventos esportivos durante a pandemia.
Em janeiro, alguns tenistas que chegaram a Melbourne para o torneio Aberto da Austrália reclamaram nas redes sociais sobre as rígidas medidas de rastreamento de saúde que encontraram. Em um ponto, os espectadores foram banidos por vários dias do torneio em meio a um pequeno surto de Covid-19 na cidade australiana.
Para o Japão, que registrou 2.112 novos casos na terça-feira (13), será um desafio maior.
Os participantes internacionais precisarão de um teste negativo de Covid-19 feito dentro de 72 horas antes de viajar para o Japão, onde serão testados novamente, de acordo com o manual “Tokyo 2020 Playbook” lançado pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em 21 de fevereiro.
De acordo com o documento do COI, os atletas não serão obrigados a entrar em quarentena por 14 dias após a chegada ao Japão, a menos que tenham violado as precauções da Covid-19 do país ou tenham sido potencialmente expostos ao vírus.
Durante os Jogos, os participantes serão “testados para Covid-19 em intervalos diferentes” e todos os atletas e visitantes terão um “Oficial de Ligação para Covid-19″.
Os convidados internacionais só poderão deixar suas acomodações para “ir aos locais oficiais dos Jogos e locais adicionais limitados”. A lista dos endereços constará do segundo manual, com publicação prevista para este mês.
Abraços e cumprimentos devem ser evitados e nenhum transporte público deve ser usado. Máscaras devem ser usadas o tempo todo.
A Tokyo 2020 não respondeu às perguntas sobre como as medidas de distanciamento social seriam mantidas na vila olímpica.
Supercontagioso?
Embora todos os atletas da vila olímpica tenham de apresentar teste negativo antes de chegar ao Japão, eles inevitavelmente entrarão em contato com dezenas de milhares de voluntários não testados que irão circular entre as instalações olímpicas e suas casas. O site Tokyo 2020 disse que os voluntários devem usar transporte público para as instalações olímpicas.
Em um comunicado à CNN, a Tokyo 2020 disse que publicou um folheto informando os voluntários sobre as contramedidas da Covid-19, incluindo uso de máscara, lavagem das mãos e manutenção de uma distância segura de outras pessoas.
Em resposta a uma pergunta sobre se algum evento olímpico seria adiado devido à pandemia, o comunicado disse que a situação estava “mudando a cada momento”.
Holthus, a voluntária alemã, contou que além do álcool em gel para as mãos e as duas máscaras faciais, foi oferecido aos voluntários um “diário de condições de saúde”, no qual eles poderiam registrar seu próprio estado físico.
“Serão grupos concentrados de pessoas de todo o mundo, se misturando. E se houver um foco se desenvolvendo em uma das instalações olímpicas? E se vier de um de nós?”, questionou.
Oka, o professor da Saitama, compartilhou as preocupações dos voluntários, dizendo que os Jogos poderiam permitir a disseminação de variantes perigosas do Covid-19 não apenas no Japão, mas em todo o mundo.
O professor disse que também estava preocupado com o já sobrecarregado sistema de hospitais do Japão, que não seria capaz de lidar se houvesse um influxo repentino de atletas e voluntários infectados com o vírus. “Como especialista em doenças infecciosas, não posso aprovar a realização dos Jogos em uma situação em que não haja vacinas suficientes e aplicação de contramedidas”, disse.
Em um comunicado à CNN, o órgão organizador dos jogos disse ter “grandes esperanças” de que a situação da Covid-19 no Japão melhore antes da Olimpíada. “Continuaremos a trabalhar em estreita colaboração com todos enquanto nos preparamos para realizar jogos seguros e protegidos neste verão”, disse o comunicado.
O voluntário das Olimpíadas Philbert Ono disse que confia no governo e no COI para manter os atletas e voluntários seguros.
“Os japoneses adoram testemunhar a história. E você sabe que esta Olimpíada é uma Olimpíada muito, muito histórica. Ela será muito diferente. E isso é outra coisa para a qual estou ansioso”, afirmou. “Eu só quero ver como eles farão isso”.
Mas Holthus disse que não acredita que os Jogos devam seguir em frente com o atual estado de preparação, que é uma “receita para um evento supercontagioso”.
“Nem dá para imaginar como isso pode ser ruim. Mas o estrago será feito assim que os Jogos começarem. Não há como voltar atrás depois que todos voarem para o Japão”.
FONTE: Blake Essig, Emiko Jozuka e Ben Westcott, CNN