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Os benefícios econômicos e ambientais do surfe

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FOTO: HENRY ESPINOZA Legenda da foto, O desenvolvimento urbano em Lobitos, no Peru, foi interrompido mais de uma vez devido à proteção legal de suas ondas

Escondida no extremo norte do Peru, está Lobitos, uma pacata cidade costeira conhecida como um dos melhores lugares do país para surfar.

As ondas do mar quebram e deslizam sobre a areia da praia e afloramentos rochosos, e seu pôr do sol é lendário.

Mas as ondas que atraem multidões de surfistas todos os anos não são apenas reverenciadas por aqueles que praticam o esporte — sua proteção está consagrada na lei.

Em 2014, entrou em vigor a pioneira Ley de Rompientes, que pode ser traduzida como “Lei das Arrebentações”, tornando o Peru o primeiro país do mundo a dar proteção legal às suas ondas.

Nos termos da lei, o desenvolvimento de infraestrutura, exploração de petróleo e gás e atividades de pesca que possam prejudicar os melhores picos de surfe foram restringidos.

Mais de uma vez, iniciativas que corriam o risco de perturbar as ondas em Lobitos foram interrompidas.

A lei foi considerada tão eficaz que os surfistas do Chile estão fazendo campanha agora para aprovar sua própria versão.

Os picos de surfe despertam muitas emoções no que diz respeito à preservação da costa peruana.

“As pessoas levam isso para o lado pessoal e vão, inclusive, fisicamente até o local para impedir que os maquinários removam o solo sempre que essas construções acontecem”, diz Alejandro Pizarro, diretor de pesquisa e comunicação da organização EcoSwell, com sede em Lobitos.

“É uma comunidade muito unida.”

A lei peruana não é baseada apenas no apreço pela prática do esporte, mas no reconhecimento de que ele contribui econômica e ambientalmente para a região.

Dos Estados Unidos a Bali, há cada vez mais evidências que sugerem que o surfe pode ser surpreendentemente benéfico para o ecossistema costeiro.

Economia do surfe

Mulher surfando
Legenda da foto,Os surfistas podem ter uma grande influência nos ecossistemas costeiros ao seu redor

A ideia de usar a economia para avaliar o valor dos recursos do surfe, a chamada surfonomics, existe há pouco mais de uma década.

Um dos primeiros estudos na área foi centrado em Mavericks, na Califórnia, um famoso pico de surfe com ondas de 3 a 9 metros, que atrai grandes multidões de espectadores.

O surfista João de Macedo, ativista que esteve envolvido na pesquisa, diz que Mavericks já contava com proteção legal como santuário marinho nacional, mas a surfonomics “era algo que quando você conversava com um político [podia ser usado para] justificar a conservação de uma forma mais prática”.

O valor econômico líquido de Mavericks foi finalmente estimado em cerca de US$ 24 milhões por ano, filtrado por meio da indústria de turismo local.

Os estudos de surfonomics já foram replicados em pelo menos uma dúzia de lugares em todo o mundo, incluindo Mundaka, na Espanha, e Uluwatu, em Bali, e a metodologia foi aprimorada ao longo dos anos para torná-la mais fácil de replicar e mais rápida de concluir.

Para muitas comunidades, é um elemento importante para ser reconhecida como Reserva Mundial de Surfe, designação internacional que ajuda a proteger o ecossistema local para surfistas e dá peso a esforços de conservação mais amplos.

“Não é um bicho de sete cabeças em termos de economia ecológica”, afirma Nik Strong-Cvetich, diretor executivo da organização internacional ambiental de surfe Save The Waves, que indica as Reservas Mundiais de Surfe.

“Quando começamos com a surfonomics, era apenas para dizer: ‘Oi, o surfe tem valor’. Mas agora queremos ter certeza de que provamos o valor de todos esses lugares que estamos protegendo. Quando apresentamos um dos os estudos no Chile, eles falaram: ‘Vocês só podem estar brincando comigo. Os surfistas estão gastando tanto assim’? Mas estão.”

Na verdade, ao contrário de sua imagem descontraída, o surfe é uma grande e lucrativa indústria internacional.

Embora tenha sido inicialmente reticente em atribuir um valor monetário às ondas, a organização ambiental de surfe Surfers Against Sewage, do Reino Unido, estimou em 2013 que o esporte contribuiu com de £ 1 bilhão a £ 1,8 bilhão por ano para o país — e poderia ter um impacto econômico geral de cerca de £ 5 bilhões (cerca de R$ 39,4 bilhões).

De volta ao Peru, Pizarro, da EcoSwell, que tem formação em ciência política, sempre suspeitou que os surfistas davam uma grande contribuição para Lobitos.

E enquanto a cidade tinha suas ondas sob proteção legal, a surfonomics foi uma oportunidade de entender o quanto a cidade dependia do surfe.

A EcoSwell fez então um levantamento, liderado por Marcos Abilio Bosquetti, pesquisador de gestão da Universidade Federal de Santa Catarina e membro da International Association of Surfing Academics.

O objetivo era saber quanto vale o surfe para a comunidade, perguntando quanto as pessoas gastavam, de onde vinham e o que valorizavam na região.

Barco em praia de Lobitos
Legenda da foto,A economia local de Lobitos depende fortemente do surfe, e a proteção das ondas por lei tinha o objetivo de ajudar a assegurar essa renda

Quando a organização analisou os números em 2020, junto com Bosquetti, até eles ficaram surpresos com o valor: US$ 3,6 milhões em 2019 (cerca de R$ 22 milhões) — uma parte substancial do orçamento anual total do município.

Outra coisa que surpreendeu Pizarro foi quantas pessoas não voltaram a Lobitos por motivos ambientais, como o lixo visível ou o precário sistema de saneamento público, que, nas suas próprias palavras, “parece um filme de terror”.

Os turistas foram particularmente desencorajados pela presença de plataformas de petróleo e unidades de bombeamento de óleo, que ainda estão ativas em terra e no mar.

Pizarro espera que o estudo incentive as autoridades públicas a melhorar os serviços na cidade e quem sabe até dissuadir a extração de petróleo.

“A ideia de ter estatísticas é poder argumentar que há uma importância enorme em cuidar dessas questões ambientais, pela quantidade de dinheiro que representam.”

E embora a covid-19 tenha tido um efeito devastador no turismo internacional, Pizarro espera que isso possa incentivar investimentos em Lobitos na tentativa de ajudar a atrair os turistas de volta.

Guardiões costeiros

Além de restringir empreendimentos e promover o saneamento de águas residuais e do lixo, a proteção dos pontos de surfe tem sido associada a impactos positivos mais amplos no ambiente marinho.

Uma razão é que as próprias características do fundo do mar responsáveis por boas ondas também proporcionam bons habitats para a vida marinha.

“As praias naturais para surfe dependem das propriedades geofísicas únicas do fundo do mar, que incluem esses ecossistemas bentônicos”, explica Christel Scheske, coordenadora da iniciativa de governança costeira e marinha da Sociedade Peruana de Direito Ambiental.

“Ao proteger as praias de surfe de ameaças como o desenvolvimento de infraestrutura [como cais ou quebra-mares], você inadvertidamente também protege essas mesmas propriedades geofísicas que os ecossistemas bentônicos exigem para existir.”

As regiões bentônicas — o fundo do mar e as águas próximas a ele — são particularmente ricas em biodiversidade, ela acrescenta.

Elas proporcionam habitats para peixes, o crescimento de plantas marinhas e algas que podem capturar carbono, e também protegem a costa da erosão e de inundações, amortecendo a ação das ondas com sua flora.

Em um estudo de 2019, Scheske e seus colegas argumentaram que os picos de surfe mais icônicos — aqueles com grandes ondas e uma forte cultura de surfe — devem ser protegidos não apenas por seu valor para os surfistas, mas seus benefícios para o meio ambiente, bem-estar humano e potencial para o turismo sustentável.

Eles recomendam que os governos e a sociedade civil considerem o uso do surfe para reconectar os cidadãos com os ambientes marinhos naturais.

Afinal, os surfistas fundaram muitas organizações de conservação de destaque em todo o mundo, eles observam, incluindo a Save The Waves, a Surfrider Foundation, com sede nos Estados Unidos, e a Surfers Against Sewage, no Reino Unido.

“Quantos esportes têm grupos de ativistas totalmente formados?”, pergunta Hugo Tagholm, presidente-executivo da Surfers Against Sewage.

“Há um coquetel potente de problemas reais — lixo marinho, esgoto e outras formas de poluição da água, elementos costeiros, mudanças climáticas — e um grupo de indivíduos um tanto midiático que está praticando um esporte que é bastante aspiracional. Estamos no oceano; devemos estar na vanguarda ao exigir sua proteção.”

Exploração de petróleo
Legenda da foto,Pesquisas na área de ‘surfonomics’ mostraram que os turistas não aprovam a extração de petróleo em Lobitos

Este grupo vocal pode tornar a proteção marinha muito mais eficaz, acrescenta Strong-Cvetich.

“As comunidades de surfe se situam muito em torno de lugares específicos e, portanto, são muito estimuladas a cuidar deles.”

Valor da natureza

Mas isso também leva a uma das limitações da proteção ambiental do surfe — o foco em locais bem específicos, que têm boas ondas.

“A comunidade do surfe vai lutar por todas as áreas protegidas, em qualquer lugar? Não, não necessariamente”, diz Strong-Cvetich.

E há outras preocupações com a abordagem mais ampla da surfonomics. Tagholm tem reservas sobre a ideia básica de quantificar o valor de um recurso natural, como os picos de surfe.

“A abordagem da reserva de surfe é realmente útil para falar sobre todos os componentes que criam a rica experiência de que precisamos”, afirma Tagholm.

“[Mas] estamos em uma época em que colocamos um custo em tudo, mas não valorizamos nada.”

Isso reflete um debate que acontece na área de conservação de forma mais ampla.

E, embora o ato físico de surfar em uma onda natural tenha um impacto ambiental mínimo, muitos estudos de surfonomics não levam em conta fatores como as emissões de carbono das viagens de longa distância dos turistas para chegar até esses picos, o uso de recursos naturais na confecção de pranchas e roupas de mergulho à base de petróleo, ou danos aos recifes por pisoteamento e produtos químicos de certos filtros solares.

Na verdade, Tagholm sugere que uma das coisas mais valiosas que um surfista pode fazer, às vezes, é guardar a prancha.

“A principal coisa que podemos fazer é proteger os habitats naturais selvagens, e o oceano nos oferece esse tipo de oportunidade. Não é mais como antes: ‘Vamos lá encontrar um ponto de surfe e cortar um pouco da selva para encontrar um novo recife na Indonésia ou onde quer que seja’. Na verdade, isso não é mais legal, precisamos de algum mundo inexplorado.”

De Macedo compartilha algumas dessas preocupações.

“Houve um feedback de que [a surfonomics] estava colocando uma etiqueta de preço no local para que pudesse haver algum desenvolvedor, e ele simplesmente pagaria o [valor] e diria: ‘Ok, agora isso é meu, e eu posso fazer o que eu quiser com isso.'”

É por isso que os estudos de surfonomics têm tentado incluir alguns dos benefícios sociais e culturais do surfe — como os motivos pelos quais as pessoas visitam determinadas praias, com quem e o que valorizam nelas — que são mais difíceis de quantificar.

“Em última análise, essas ondas gigantes são fenômenos geológicos naturais, então as pessoas têm esse contato com a natureza que vai além de apenas contabilizar quantos visitantes e quanto dinheiro gastam no café e em mercadorias”, diz de Macedo.

surfonomics ainda é um campo de estudo relativamente novo e precisa ser aperfeiçoada para estar alinhada a “metodologias de capital natural” mais amplas — ferramentas que medem o valor dos ativos naturais e permitem que sejam incluídos nos sistemas contábeis convencionais, observa Scheske.

Segundo ela, isso ajudaria a reforçar a proteção do surfe e responder melhor aos impactos negativos da prática no meio ambiente.

“O que provavelmente vai variar muito entre os diferentes ecossistemas e locais, dependendo da fragilidade de um determinado ecossistema e de como ele é acessado pelos surfistas”, acrescenta.

Mas, no geral, a conexão com o oceano que as pessoas ganham a partir do surfe gera “um impacto positivo líquido”, diz ela, sobretudo em comparação com a prática de atividades como esqui aquático ou wakeboard, que exigem mais equipamentos e muitas vezes dependem de combustível fóssil.

Pizarro, que ainda surfa regularmente nas ondas de Lobitos ao lado de leões-marinhos, tartarugas e algumas baleias jubarte, não se esquece do que o levou para a conservação.

“Com os animais, a onda, tudo precisa estar tão perfeito quanto era quando foi criado para você surfar a melhor onda possível e ter o melhor tempo possível. Isso deixa você consciente de que é parte de um ecossistema que precisa proteger.”

Pizarro é um dos milhares de surfistas de todo o mundo que tentam incorporar a conservação ao esporte.

À medida que a ciência, a economia e o amor pelo surfe entram em harmonia, eles esperam aproveitar a força das ondas para proteger as costas, de maneira que beneficie não apenas os surfistas mais ousados, mas todos aqueles que gostam e dependem do mar.

FONTE: Isabella Kaminski-BBC Future

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