Caso demonstra o ganho de força dos movimentos contra o assédio sexual, mesmo com a repressão governamental ao ativismo
O astro pop chinês-canadense Kris Wu foi formalmente preso sob suspeita de estupro, disseram promotores em Pequim em um comunicado na segunda-feira (16).
A mudança ocorre depois que Wu, de 30 anos, foi detido pela primeira vez em 31 de julho pela polícia na capital chinesa, após um protesto online sobre a alegação de agressão sexual contra ele, no que se tornou o caso #MeToo – movimento mundial que encoraja mulheres a denunciar assédios sexuais – mais conhecido na China.
As alegações surgiram pela primeira vez no mês passado na plataforma de mídia social chinesa Weibo, quando uma mulher postando sob o nome verificado “Du Meizhu” alegou que Wu, cujo nome chinês é Wu Yifan, a havia agredido sexualmente enquanto ela estava bêbada na casa da estrela pop, onde disse que tinha ido para um teste de elenco.
A mulher, uma estudante da Universidade de Comunicação da China em Pequim, disse que tinha 17 anos na época do suposto ataque.
Du alegou mais tarde que várias outras mulheres, incluindo duas menores, haviam entrado em contato com ela para compartilhar experiências semelhantes de serem atraídas para relações sexuais por Wu, que é uma das maiores estrelas da China.
Os representantes de Wu não responderam ao pedido de comentários da CNN.
A declaração concisa do gabinete do promotor em Chaoyang, em Pequim, disse que a prisão de Wu por suspeita de estupro foi formalmente aprovada na segunda-feira, mas não ofereceu detalhes sobre as acusações.
Antes de ser detido, Wu negou as acusações em sua conta pessoal no Weibo. Sua empresa disse que estava entrando com uma ação legal contra sua acusadora, chamando as alegações de “rumores maliciosos”.
Wu, que nasceu no sul da China, mas é cidadão canadense, alcançou a fama como membro do popular grupo pop coreano-chinês EXO, e então como artista solo depois de deixar a banda em 2014.
Ele estrelou vários filmes e foi modelo para marcas como a Burberry, logo se tornando um das principais embaixadores da marca no país.
Muitos de suas maiores marcas parceiras foram rápidas em se distanciar quando as acusações de estupro se espalharam em julho. A grife francesa Louis Vuitton, a marca de luxo italiana Bulgari e a marca de cosméticos chinesa Kans estão entre as que suspenderam ou romperam completamente os laços com a estrela.
A queda dramática de Wu se acelerou após sua detenção. Suas contas de mídia social antes extremamente populares, incluindo sua página no Weibo com mais de 51 milhões de seguidores, foram retiradas do ar. Suas canções também foram removidas de sites de streaming de música.
Na noite de segunda-feira, a prisão de Wu se tornou o principal tópico de tendência no Weibo, com a maioria dos comentários apoiando a ação policial. Uma hashtag do Weibo relacionada foi vista 1,6 bilhão de vezes na manhã de terça-feira.
Movimento #MeToo da China
O caso de Wu não é o único escândalo #MeToo que abalou a China nas últimas semanas. Na segunda-feira passada, o gigante do comércio eletrônico Alibaba disse que demitiu um funcionário que foi acusado de agredir sexualmente outra funcionária durante uma viagem de negócios.
Em ambos os casos, as vítimas postaram suas alegações nas redes sociais chinesas, o que gerou furor online e levou a polícia a investigá-los.
As ações rápidas das autoridades receberam elogios na internet, que apontaram os dois casos como uma indicação da eficácia do Estado de Direito e da justiça criminal na China. No entanto, houve críticas, argumentando que o fato de os casos serem protagonizados com figuras populares serviu para destacar o quão raro é para os sobreviventes falarem e buscarem justiça.
“Não é surpreendente que ambos os casos tenham chamado tanta atenção, dado o alto perfil de Wu e do Alibaba”, disse Feng Yuan, uma acadêmica feminista e ativista. “Mas isso também serve como um lembrete de que para muitos outros casos de assédio sexual e agressão, se os acusados não forem tão famosos ou influentes, [as vítimas] podem não ter suas vozes ouvidas”.
As sobreviventes de agressão sexual há muito enfrentam forte estigma e resistência na China, tanto em nível oficial quanto entre o público.
A questão foi levada à tona em 2018, quando o movimento #MeToo se tornou global. Na China, também, isso levou mais mulheres a compartilhar suas experiências com má conduta sexual e agressão – mas o movimento foi rapidamente reprimido, à medida que o governo passou a bloquear a crescente discussão online, incluindo a censura da hashtag e muitos posts relacionados.
Os ativistas dizem que os casos recentes mostram que o governo ainda reluta em discutir a má conduta sexual como um problema sistêmico, preferindo relatar casos individuais e lançar a culpa em outro lugar.
Por exemplo, uma agência de vigilância do governo disse que o caso Kris Wu ilustrou “a mão negra da capital” e “o crescimento selvagem da indústria do entretenimento”. E em um artigo editorial, o tablóide estatal Global Times disse que o escândalo do Alibaba refletia a necessidade de maior “supervisão legal e moral” no mundo da tecnologia e de as empresas alinharem melhor seu “capital” com os valores sociais.
Notavelmente ausente da retórica oficial está qualquer ênfase no que os ativistas dizem ser as raízes do problema: falta de apoio para sobreviventes de violência de gênero e desigualdade de gênero arraigada em muitos aspectos da sociedade.
Parte da razão pela qual o governo é tão cauteloso em reconhecer a indignação pública em torno dessas questões subjacentes é porque isso pode encorajar uma maior organização social e ativismo, disse Lv Pin, uma feminista chinesa proeminente que agora vive em Nova York.
Nenhuma das supostas vítimas que se apresentaram nos casos de Kris Wu e Alibaba mencionaram o #MeToo, pois poderia facilmente gerar censura nas redes sociais, disse Feng.
No entanto, para muitos ativistas, os dois casos ainda oferecem um raio de esperança – e um sinal de que mesmo que o governo não queira falar sobre má conduta sexual, o público o faz.
“Não importa se eles chamam isso de #MeToo ou não, a essência é #MeToo”, disse Feng. “Embora a maioria das contas feministas de mídia social tenham sido censuradas, as vítimas sempre conseguem encontrar seus próprios meios de falar.”
FONTE: CNN BRASIL