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CPI da Pandemia retoma trabalhos e ouve reverendo que negociou vacina

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Reverendo Amilton Gomes de Paula chega ao Senado para depor na CPI da Pandemia nesta terça-feira (3) Foto: Pedro França/Agência Senado

Amilton Gomes de Paula teria intermediado negociações de vacinas contra Covid-19 entre o Ministério da Saúde e empresas revendedoras do imunizante

Após duas semanas de recesso parlamentar, a CPI da Pandemia retoma os trabalhos nesta terça-feira (3) com o depoimento do reverendo Amilton Gomes de Paula, que teria agido como intermediário entre o Ministério da Saúde e empresas revendedoras de vacinas contra a Covid-19.

O depoimento do líder religioso estava previsto para o dia 14 de julho, mas foi adiado por questões de saúde do reverendo. Nesta terça-feira, ele comparece à CPI amparado por um habeas corpus concedido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux – Amilton de Paula terá direito ao silêncio parcial, ou seja, poderá não responder perguntas que o incriminem.

Um dos principais questionamentos dos senadores foi como o reverendo, que atua em uma organização humanitária, teve fácil intermediação com o Ministério da Saúde. Amilton afirmou que realizou as tratativas por e-mail e que não tem “contatos” dentro do governo, nem com militares, nem com outros servidores da pasta.

Senadores afirmaram que a versão contrasta com a dificuldade de comunicação de organizações como a Pfizer e o Instituto Butantan com o governo federal na tratativa de vacinas. “O senhor está protegendo alguém e ninguém merece ser protegido numa brincadeira dessa”, afirmou o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), em determinado momento.

Além da oitiva do líder religioso, a CPI analisou requerimentos que estavam em pauta na pauta. Entre os principais aprovados, estão o pedido de afastamento de Mayra Pinheiro do cargo de secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde.

A reconvocação do ex-secretário executivo da pasta, Élcio Franco, e a quebra de sigilo do deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara dos Deputados, também foram aprovados.

O requerimento pela convocação do ministro da Defesa, Walter Braga Netto – que era esperado também para essa sessão – foi retirado da pauta pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-ES), autor do requerimento, após discussões entre os parlamentares. O senador informou que reapresentará o requerimento.  

Com a retomada do trabalho regular e o senador Ciro Nogueira (PP-PI) na Casa Civil, o bloco oficializou o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) como novo titular e a indicação de Flávio Bolsonaro para a vaga de suplente. Isso faz com que Heize e Flávio representem o mesmo bloco parlamentar que o relator Renan Calheiros (MDB-AL). As mudanças não impactam a divisão de poder dentro da comissão. 

O senador Humberto Costa (PT-PE) foi o primeiro a fazer perguntas a Amilton de Paula depois do fim dos questionamentos iniciais de Renan Calheiros. Costa questionou se o reverendo teria ciência sobre um possível envolvimento da primeira-dama Michelle Bolsonaro na aquisição de vacinas, o que ele negou. 

No entanto, Amilton disse ter cometido uma “bravata” quando afirmou a Dominghetti que havia falado “com quem manda” dentro do governo federal. A falta de nomes apontados pelo depoente, assim como a justificativa de ter alcançado o Ministério por e-mail, deixaram os senadores desconfiados de que Amilton estaria “protegendo” alguém.

“O senhor leva a palavra de Deus e é bravateiro? O senhor pode perder sua credibilidade. Não quero faltar com respeito, mas faça um bem pra o senhor e pra quem acredita na sua palavra. Não jogue sua história como pastor fora. O senhor está protegendo alguém e ninguém merece ser protegido numa brincadeira dessa”, declarou o presidente da Comissão, o senador Omar Aziz (PSD-AM). “O senhor participou de um grande enredo de compras de vacinas e sua missão é muito maior do que proteger pessoas que brincaram com a vida dos outros”. 

Amilton de Paula afirmou que encontrou-se pessoalmente com Élcio Franco, então secretário-executivo do Ministério da Saúde, no dia 12 de março. Com ele, estavam o revendedor Luiz Paulo Dominghetti, o representante da Davati, Cristiano Carvalho, alguns assessores da Saúde e o coronel Helcio Bruno, do Instituto Força Brasil.

A participação deste último coronel gerou dúvidas nos senadores, porque foi ele quem tinha uma agenda marcada no Ministério, mas compartilhou a data com Amilton e os membros da Davati. De acordo com o reverendo, Helcio Bruno estaria ali para discutir um PL sobre a possível revenda de vacinas por empresas privadas. O projeto já foi aprovado no Senado com condicionantes.

Segundo Amilton, a participação de Élcio Franco foi breve e focalizada em questionar se a Davati tinha representação da AstraZeneca, já que o governo não conversaria com intermediários, apenas com as farmacêuticas. 

Outros nomes que já foram citados pela CPI também foram colocados nos questionamentos, como o ex-diretor do Departamento de Logística, Roberto Dias, e o coronel Marcelo Blanco, então assessor do mesmo departamento – ele ainda deve ser ouvido pela comissão. Amilton negou que algum deles estivesse presente na reunião do dia 12.

O início dos questionamentos do relator Renan Calheiros focou em entender como o reverendo Amilton de Paula conseguiu contato rápido com o Ministério da Saúde, realizando, assim, um intermédio entre a pasta e o vendedor de vacinas Luiz Paulo Dominghetti. 

Amilton afirmou que “não tinha contatos” dentro da pasta e que a primeira tratativa sobre uma possível aquisição de doses foi feita por e-mail no dia 22 de fevereiro, após Dominghetti ter conversado com o grupo Senar sobre a possível disponibilidade de 400 milhões de doses da AstraZeneca. “Não tinha contatos, os contatos que tinha era de forma formal, eletrônica, minha aproximação em conduzir o Dominghetti, conduzir a Davatti, era de forma formal”, repetiu. 

Segundo ele, o primeiro e-mail foi enviado à Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), integrante do Ministério da Saúde, às 12h do dia 22 de fevereiro. O contato foi lido pelo senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) na sessão. No mesmo dia, por volta das 16h, o grupo foi recebido pelo diretor do departamento de Imunização do Ministério da Saúde, Lauricio Monteiro, que afirmou que a SVS não tratava de vacinas. “Nós nos organizamos para encaminhar um e-mail para o gabinete da secretaria-executiva [do Ministério da Saúde]”, concluiu Amilton.

A rapidez com a qual a reunião foi realizada gerou desconfiança dos senadores. “Farmacêuticas do mundo todo que estavam vendendo vacinas não tiveram esse tratamento. O senhor teve muita sorte, é um fenômeno isso”, afirmou Randolfe Rodrigues.

Em sua fala inicial, o reverendo afirmou que a ONG que representa foi usada “de maneira ardiolosa para fins espúrios”. “Hoje entendemos que foram usados de maneira ardilosa que desconhecemos. Temos um trabalho de 22 anos jogados na lama, trazendo prejuízos na credibilidade”, disse.

Apontado como um intermediário entre o Ministério da Saúde e empresas vendedoras de vacinas contra Covid-19, Amilton de Paula diz que nunca conversou com governadores e prefeitos sobre compra de imunizantes.

Ainda durante sua apresentação, o líder religioso afirmou que foi procurado pelo revendedor de vacinas e cabo da Polícia Militar (PM), Luiz Paulo Dominghetti, com a oferta de 400 milhões de doses do imunizante AstraZeneca. 

“Buscamos incansavelmente um mecanismo que amenizem o sofrimento da população. É nesse contexto e abordagem e, numa ocasião que o Brasil clamava por imunizantes, e as vacinas chegaram até nós por Dominguetti”, disse. 

“Ele [Dominghetti] disse que teria 400 milhões de vacinas pra pronta entrega em 8 dias ao custo de US$ 3,97. Ele também falou sobre Cristiano carvalho como sendo o principal diretor da Latin Air no Brasil. Soubemos que foram informações no mínimo equivocadas”, completou. 

A CPI da Pandemia analisou e aprovou uma série de requerimentos antes do início da oitiva do reverendo Amilton Gomes de Paula, apontado como intermediário na negociação de vacinas com o Ministério da Saúde. O líder religioso começou a depor após às 11h30.

Entre os principais requerimentos aprovados estão o pedido de afastamento de Mayra Pinheiro do cargo de secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde. A reconvocação do ex-secretário executivo da pasta, Elcio Franco, também foi aprovada. 

Outro requerimento aprovado pedia a quebra de sigilo do deputado Ricardo Barros (PP-PR), apontado pelo presidente Jair Bolsonaro, segundo o deputado Luis Miranda (DEM-DF), como envolvido nas supostas irregularidades no contrato da vacina indiana Covaxin. 

requerimento pela convocação do ministro da Defesa, Braga Netto, foi retirado da pauta pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-ES), autor do requerimento, após discussões entre os parlamentares. O senador informou que reapresentará o requerimento. Aziz antecipou e afirmou que vota pela convocação de Braga Netto quando o item voltar a ser pautado. 

O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou – antes da votação dos requerimentos – que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se encontrou “às escondidas” com uma deputada da Alemanha que tem ligação ao nazismo. 

Aziz foi contrário ao encontro e criticou o presidente. “Às escondidas o presidente recebeu uma deputada nazista afrontando a nossa democracia e o exercito brasileiro que lutou contra o nazismo. Quando é pra pedir ajuda liga pro primeiro-ministro de Israel. E às escondidas se reúne com uma deputada nazista”, disse.

Segundo ele, o Congresso não pode se calar diante do encontro. “Nazismo não. Somos solidários ao povo judeu que sofreu com o holocausto”, disse. 

A pauta deliberativa da 38º sessão da CPI da Pandemia traz 132 requerimentos, que devem ser votados antes do depoimento do reverendo Amilton. Inicialmente, eram 135 – três itens (4, 20 e 103) foram retirados de pauta no início da sessão. Por volta das 10 horas desta terça, os senadores pediam a palavra pela ordem para tratar de assuntos relacionados aos requerimentos.  

Dos requerimentos em pauta, 41 são de convocação para comparecimento à CPI, 66 são de pedidos de informação, 25 são de quebras de sigilos, um de recomendação, um de pedido de afastamento e o último se trata de um convite para comparecimento à CPI. 

Entre os principais requerimentos estão:

 O que pede o afastamento de Mayra Pinheiro do cargo público de Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde (aprovado);
 O que convoca o ministro da defesa, Walter Braga Netto (retirado da pauta após discussão; deverá ser reapresentado);  
 O que reconvoca Élcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde (aprovado);
– A convocação de Adolfo Sachsida, Secretário de Política Econômica do Ministério da Economia (retirado da pauta após discussão);
– A convocação de Andrea Siqueira Valle, ex-cunhada do presidente da República (retirado da pauta);
– O pedido de transferência dos sigilos telefônico, fiscal, bancário e telemático do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (aprovado).

O depoente Amilton de Paula está à frente da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah). O órgão atua como uma espécie de ONG e o reverendo é apontado como a pessoa que abriu as portas da Saúde à Davati, empresa que tinha como representante o cabo da Polícia Militar Luiz Paulo Dominguetti, que prometia 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca. 

Dominghetti relatou à CPI da Pandemia ter recebido pedido de propina para que o negócio fosse efetivado. O diretor do departamento de Imunização do Ministério da Saúde, Lauricio Monteiro Cruz, afirmou à CNN que a proposta de venda de 400 milhões de doses de vacina pela Davati Medical Supply chegou à pasta em fevereiro pelas mãos do reverendo.

A reunião ocorreu no dia 22 de fevereiro, às 16h, no Ministério da Saúde, mostram documentos aos quais a CNN teve acesso. Segundo Cruz, o líder religioso foi ao encontro levando Dominghetti e Hardaleson Araújo de Oliveira, um oficial da Força Aérea.

Segundo Lauricio, o reverendo Amilton disse que se tratava de “uma ação humanitária” e que poderia ajudar o Brasil a ter acesso a vacinas a “um preço acessível”. Neste mesmo encontro, contou Lauricio, Amilton de Paula fez a oferta de 400 milhões de doses de Astrazeneca, citando uma proposta de “US$ 3 e pouquinho” por dose. 

Documentos aos quais a CNN teve acesso mostram que o reverendo encaminhou ao Ministério da Saúde uma proposta para venda de vacinas contra a Covid US$ 1 por dose acima da oferta feita inicialmente pela suposta fornecedora dos imunizantes

A Senah surgiu em 1999 como Senar (Secretaria Nacional de Assuntos Religiosos), segundo o site da entidade. Amilton de Paula se apresenta como reitor da Faculdade Batista do Brasil, membro da Convenção Batista Nacional do Brasil, além de “doutor em ciências da educação”, “membro da Sociedade de Filosofia Medieval”, entre outras referências. 

Dominghetti citou o reverendo durante seu depoimento à CPI da Pandemia. Foi ele quem revelou o suposto pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina, que teria sido feito por Roberto Dias, ex-diretor de logística do Ministério da Saúde. O pedido de propina teria acontecido durante um jantar em restaurante de Brasília – Dias, que chegou a ser preso durante seu depoimento, nega. 

Representante oficial da Davati Medical Supply no Brasil, Cristiano Carvalho afirmou durante depoimento à CPI que o líder religioso tinha “ofício” para representar a Davati Medical Supply perante o Ministério da Saúde

Carvalho também revelou que se encontrou com Amilton de Paula em 12 de março. “Eu estive com reverendo Amilton, Dominguetti, estivemos com coronel Boechat, Pires e Elcio Franco. E com o Coronel Elcio Bruno também”, disse à época. 

“Estive no Ministério da Saúde pela primeira vez em 12 de março e antes disso eu nunca tinha fornecido nada pra o Ministério da Saúde. Fui receoso, mas a insistência e os traços de veracidade que chegavam a mim era indiscutível que existia uma demanda [pela compra da vacina]”, disse Carvalho. 

FONTE: Bia Gurgel, Giovanna Galvani e Rafaela Lara, da CNN, em Brasília e São Paulo

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