Fotografias mostram contraste entre leveza da bailarina e a realidade da cheia, representando a garça branca que sobrevoa as regiões alagadas na cidade de Parintins.
A leveza da bailarina Aglynes Máina, captada pela sensibilidade das lentes de seu pai, o professor de dança clássica Gledson Oliveira, contrasta com as dificuldades do cotidiano da população durante a maior cheia da história de Parintins, município distante 369 quilômetros de Manaus.
Nesta quinta-feira (27), o nível do Rio Amazonas alcançou os 9,45 metros – já ultrapassando o recorde da cheia do Rio Amazonas.
É em cima de pontes de madeira construídas sobre as águas do Rio Amazonas que a artista, de 13 anos, mostrou a ligação entre a arte e o dia a dia do ribeirinho. Feitas com a câmera de um celular e sob o olhar de quem passava pelo local, as fotografias do ensaio compartilham realidades e cenários particulares durante a enchente.
O pai fotógrafo estuda Artes Visuais e teve a ideia de fazer as imagens para uma disciplina da faculdade. Segundo ele, o desafio era escolher um gênero de fotografia e reproduzir um ensaio. Mas Gledson foi além e resolveu fazer o que chamou de ‘intervenção artística’, mostrando o cotidiano ribeirinho de forma poética.
“Eu tive a ideia de fazer algo para chamar a atenção das pessoas sobre a realidade que vivemos. Quis fazer algo relacionado à enchente, por estarmos enfrentando a maior cheia da história. Então pensei em trazer, de alguma forma, a nossa realidade, mas com um olhar artístico, poético e que convidasse as pessoas a uma reflexão”.
Segundo Gledson, a inspiração veio quando percebeu que as ruas estavam tomadas pelas águas, mas as pessoas continuavam suas vidas em meio a uma nova realidade, enquanto a natureza se transformava. Uma nova rotina seguia ao seu redor. A ideia se desenvolveu em torno de mostrar que mesmo com todas as limitações que as pessoas enfrentavam na cheia ainda existia beleza.
“Vi as garças cada vez mais próximas à população devido à elevação das águas. Foi quando imaginei: por que não usar uma bailarina representando essa garça, trazendo a leveza, a pureza, a esperança e a renovação, em contraste com as dificuldades”.
‘Elevê Acaraú’
O ensaio ganhou o nome de ‘Elevê Acaraú’ pela junção dos dois termos, Elevê, do balé clássico, e Acaraú, do tupi guarani, que significa ‘Rio das Garças’.
A bailarina faz movimentos de elevação, conhecidos como ‘Elevê’ no balé clássico, suspensa na ponta dos pés. E foi assim que nasceu a ligação entre o movimento de elevação da bailarina com a subida das águas.
“Nossa proposta era trazer esse olhar para as pessoas, mostrar a realidade enfrentada. Em meio à dificuldade pode brotar vida. Se nos unirmos através da arte, as pessoas vão se sensibilizar”.
Inicialmente, a bailarina Aglynes Máina conta que ficou preocupada com a proposta do ensaio. Ela dança desde os 3 anos, mas nunca em lugares inusitados.
“Não imaginei como seria fazer posições de balé em cima de pontes. As pessoas ficaram olhando, havia crianças brincando por lá. Foi muito diferente de tudo que já fiz. Fiquei muito feliz com o resultado”.
Cheia no Amazonas
Em Parintins, o nível do Rio Amazonas chegou hoje aos 9,45 metros. Antes, a maior cheia já registrada na região havia sido em 2009. Naquele ano, a marca de 9,38 metros só foi alcançada no dia 17 de junho – ou seja, o recorde de 2021 foi alcançado com mais de um mês de antecedência, no dia 17 de maio. E desde então, a água segue subindo.
As ruas principais da cidade registram pontos de alagamento. Nas comunidades rurais, produtores contabilizam perdas de safras inteiras por conta da inundação das produções.
Já em Manaus, o nível do Rio Negro alcançou 29,93 metros nesta quinta-feira (27) – a poucos centímetros de bater a maior cheia da história desde o início dos registros, quando o rio chegou a 29,97 metros em 2012. Quem vive na capital enfrenta também os transtornos causados pela cheia.
FONTE: Rebeca Beatriz, G1 AM