Com o objetivo de armar a Guarda Municipal e equipá-la para possíveis manifestações, a Prefeitura de Manaus resolveu comprar granadas explosivas do tipo lacrimogênea e espargidor de spray de pimenta. Os artefatos, geralmente usados para controle da população durante protestos violentos, foram adquiridos pela Casa Militar do município e o contrato foi publicado na edição de segunda-feira, 22, do Diário Oficial de Manaus (DOM).
Esse tipo de artefato era inerente somente ao uso das polícias Militar (PM), Civil (PC) e Forças Armadas e nunca foi adquirido, anteriormente, pela Prefeitura de Manaus, segundo consta no DOM. O contrato foi assinado pelo secretário municipal chefe da Casa Militar, William de Oliveira Dias, com data de 4 de outubro deste ano e tem vigência de 180 dias, improrrogáveis, para a entrega do objeto. Ou seja, a empresa contratada “Condor S/A Indústria Química” tem até o dia 2 de abril de 2020 para fornecer os equipamentos. O documento também prevê 12 meses de garantia, após o recebimento definitivo dos materiais.
De acordo com o extrato do contrato, a Prefeitura de Manaus pretende obter um total de 60 unidades de granadas explosivas, da marca Condor, do tipo lacrimogênea, modelo GB-705, cuja aplicação é para operações em ambientes fechados. Esse material é característico pelo efeito sonoro da detonação, que causa atordoamento e cria condições favoráveis para uma rápida intervenção.
O Executivo Municipal também pretende adquirir um total de 60 unidades de espargidor de spray de pimenta, da marca Condor, não inflamável e com alcance de dois metros de distância. Esse tipo de gás de pimenta costuma ser usado na defesa pessoal, controle de distúrbio e combate à criminalidade, provocando o fechamento involuntário dos olhos, ardência e queimação na pele, olhos, boca e garganta.
O valor global do contrato é de R$ 31.172,40, previsto no orçamento do município de Manaus, segundo o extrato do Contrato nº 005/2021. Cada uma das 60 granadas explosivas tem valor unitário de R$ 293,22 e, cada spray de pimenta custará aos cofres públicos da capital amazonense o total de R$ 226,32.
Loman
Em Manaus, a Câmara Municipal aprovou e promulgou, em agosto deste ano, uma emenda à Lei Orgânica do Município (Lomam), que regulamenta o porte de arma de fogo pela Guarda Municipal, autorizado pelo Estatuto do Desarmamento. O projeto prevê a capacitação e o treinamento dos agentes para uso de arma de fogo e de outros equipamentos de menor potencial ofensivo.
A medida, de autoria dos vereadores Mitoso (PTB) e Capitão Carpê Andrade (Republicanos), entrou na pauta de discussão dos parlamentares após uma onda de ataques em Manaus e em municípios do interior do Amazonas, no começo de junho deste ano. Os atos criminosos foram desencadeados pela morte de um traficante conhecido como “Dadinho”. À época, o então secretário de Segurança Pública do Amazonas, coronel Louismar Bonates, afirmou que a ordem para os ataques partiu de dentro de um presídio.
Como justificativa do projeto, o vereador Mitoso explicou que existia uma necessidade de atualizar a Loman na área de Segurança Pública e que era inadmissível a falta de preocupação dos Poderes Executivos e Legislativos Municipais sobre o assunto. De acordo com o parlamentar, entre as capitais brasileiras, apenas as guardas municipais de Macapá, Recife, Rio de Janeiro e Manaus não fazem uso de arma de fogo.
PECs
Em junho deste ano, os deputados da Assembleia Legislativa do Estado (Aleam) também aprovaram duas Propostas de Emendas à Constituição do Amazonas (PECs), nº 03/2021 e nº 04/2021, que regulamentam o processo de armamento de guardas municipais de todos os 62 municípios amazonenses. As medidas tramitaram em regime de urgência, após pedido pessoal do prefeito David Almeida (Avante) ao presidente da Casa Legislativa, Roberto Cidade (PV).
A PEC nº 03/2021, de autoria do deputado Delegado Péricles (PSL), altera o disposto no Artigo 125, Parágrafo 5º, da Constituição do Estado do Amazonas, permitindo o porte de arma de fogo para guardas municipais. A PEC nº 04/2021, de autoria do deputado Cabo Maciel (PL), inclui a Guarda Municipal como integrante do Sistema Único de Segurança Pública do Estado (Susp).
Riscos
Usados para dispersão de manifestantes ou multidões, o gás lacrimogêneo e o spray de pimenta são armas químicas não letais, mas que podem causar graves lesões, alergias e, com o uso extremo, levar à morte. De acordo com o médico infectologista Nelson Barbosa, da Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD) de Manaus, esses artefatos podem causar danos irreparáveis às pessoas atingidas.
“Apesar da granada de gás lacrimogêneo e spray de pimenta serem ótimos para dispersar manifestações, elas podem causar danos irreparáveis às pessoas. Por exemplo, o spray de pimenta pode causar uma leve irritação ocular ou nas mucosas, mas pode causar lesões graves no globo ocular das pessoas e levar até à cegueira”, explicou o médico.
Ainda segundo o especialista, a granada do tipo gás lacrimogêneo pode ocasionar os mesmos efeitos que um spray de pimenta, dependendo do local dispersado no corpo do indivíduo. “O local do corpo onde essa granada explodir, pode causar lesões irreparáveis ou até perdas de membros”, declarou Nelson Barbosa.
Baixo efetivo e sem formação adequada
Em Manaus, o efetivo da Guarda Municipal é de 421 servidores, segundo divulgado pela Prefeitura. Na semana passada, o Executivo Municipal realizou a entrega de 250 pistolas aos agentes, mas somente 60 servidores selecionados em um processo seletivo interno vão usá-las. Para especialistas consultados pela Revista Cenarium, esse contingente é baixo para proteger bens públicos do município, além disso, os guardas não têm formação adequada para o manuseio dos armamentos.
“Esse contingente de guarda é baixo para proteger os patrimônios e prédios públicos do município, além de não ter formação adequada para o manuseio adequado de armas de fogo e também de artefatos. A Guarda Municipal pode sim contribuir, como uma força auxiliar às polícias Militar e Civil do Estado. Porém, não pode ir contra o Estado Democrático de Direito de livre manifestação e, ainda, reproduzir vícios da Polícia Militar, que objetiva sempre e tem uma tradição de retração contra trabalhadores e movimentos populares”, comentou o advogado e sociólogo Carlos Santiago.
Para o sociólogo, uma guarda municipal qualificada com boa formação sobre os direitos humanos e dignidade da pessoa humana, respeitando a ordem Constitucional, é bem-vinda. “Uma Guarda Municipal que é apenas uma cópia imperfeita da Polícia Militar não atende à realidade do mundo e aos anseios de uma população que quer, acima de tudo, paz”, ponderou o especialista.
Santiago destaca ainda que o melhor modelo de abordagem e trabalho de uma Guarda Municipal está na Constituição brasileira, que estabelece liberdade de expressão, de reivindicação, de reunião, dentro da ordem pública. “Essa ordem pública tem que oferecer não conflitos, não embate, não agressão, não maltrato, não artefatos agressivos, mas sim a paz, o diálogo e o respeito à democracia”, concluiu o advogado e sociólogo.
FONTE: Por REVISTA CENARIUM