
O segundo inquérito aberto pela Polícia Civil de São Paulo para investigar novas denúncias de torturas e maus-tratos contra mais 34 alunos (20 meninos e 14 meninas) da Colmeia Mágica revela que algumas crianças eram castigadas desde 2013 na escola particular infantil. Ele ainda não foi concluído.
O primeiro inquérito contra a escolinha da Zona Leste foi encerrado há quase dois anos. À época, a polícia indiciou as irmãs Roberta Serme e Fernanda Serme, respectivamente diretora e coordenadora da Colmeia Mágica, e Solange Hernandez, uma funcionária, por torturar e maltratar outros nove alunos (sete meninos e duas meninas) entre 2021 e 2022.
O caso foi revelado em 2022 pelo g1, depois que vídeos e fotos mostravam essas nove crianças amarradas e chorando no banheiro da escola. Em 2023, as três mulheres investigadas foram condenadas à prisão pela Justiça pelos crimes: as donas estão presas e a empregada está em liberdade(saiba mais abaixo).
O segundo inquérito foi aberto ainda em 2022 a pedido do Ministério Público (MP). Após a repercussão do caso nas redes sociais e na imprensa, outros pais de alunos procuraram a polícia para relatar que notaram lesões no corpo e mudanças de comportamento nos filhos no período em que estudaram na Colmeia Mágica. Pelo menos 34 crianças teriam sido torturadas e maltratadas, mas não há fotos ou vídeos dessas lesões.
A Promotoria quer saber, entre outras coisas, se a polícia também consegue esclarecer nesta nova investigação se as duas donas e a funcionária da Colmeia Mágica tiveram a ajuda de professoras nessas supostas torturas e maus-tratos contra esse outro grupo de crianças.
11 ex-funcionárias relatam castigos
Neste segundo inquérito, a polícia ouviu 11 ex-funcionárias da escolinha que contaram que os castigos começaram há mais de dez anos. Elas não souberam informar, porém, a quantidade total de vítimas, nem se lembram exatamente dos nomes delas. Mas contaram que a direção da Colmeia Mágica obrigava alunos a castigos físicos quando choravam ou por não querer comer as refeições.
Relataram também que meninos e meninas de até 5 anos eram amarrados em lençóis presos a cadeiras de bebês, não podendo mexer os braços, enquanto ficavam em banheiros escuros. Disseram ter ouvido das responsáveis pela escolinha que isso acalmava as crianças.
Outras punições aplicadas previam colocar crianças em pé por horas. Num dos relatos, uma mulher que trabalhou na Colmeia Mágica em 2016 contou que viu a diretora Roberta exigir que um aluno comesse o próprio vômito. Ele não estava querendo se alimentar, passou mal e vomitou o que comeu no prato.
“Vomitou porque não queria comer, e Roberta disse a outra funcionária: ‘Recolhe tudo e põe no prato e obriga ele a comer'”, relatou a ex-auxiliar. A testemunha não sabe, porém, se o menino obedeceu a ordem.
Outras testemunhas lembraram que os alunos comiam quase sempre o mesmo tipo de comida num único prato sujo, compartilhado com outras crianças.
Polícia não consegue identificar vítimas
Além de Roberta, Fernanda e Solange, professoras da escolinha também estão sendo investigadas pela polícia para saber se tiveram algum envolvimento. Mas, até o momento, não há relatos de envolvimentos das educadoras. Segundo as testemunhas, os crimes contra os alunos foram praticados somente pelas donas da Colmeia Mágica e por sua funcionária de confiança.
A investigação é feita pela Central Especializada de Repressão a Crimes e Ocorrências Diversas (Cerco) da 8ª Delegacia Seccional, que também ouviu outras nove pessoas que disseram desconhecer quaisquer irregularidades cometidas pelas donas e pela funcionária da escolinha.
Roberta, Fernanda e Solange também foram ouvidas e negaram as novas acusações.
Segundo fontes policiais ouvidas pelo g1, como a investigação não conseguiu até o momento identificar quem são as vítimas citadas pelas testemunhas, o mais provável é que as donas da Colmeia Mágica e a funcionária não sejam indiciadas por tortura e maus-tratos. O relatório final pode ser concluído sem apontar culpados em relação às denúncias de supostos castigos contra as outras 34 crianças.
A delegacia, porém, ainda apura se Roberta e Fernanda cometeram crime de falsidade ideológica pelo uso de documentos irregulares encontrados pela investigação. Eles teriam sido encaminhados prefeitura para tentar burlar exigências da Secretaria Municipal da Educação.
Quando o relatório da polícia for finalizado, ele será entregue ao Ministério Público (MP), que poderá concordar ou não com a investigação. Depois caberá a Justiça decidir o que fazer. Entre as possibilidades estão: arquivamento, determinação para que mais provas sejam produzidas pela polícia e até responsabilização das três investigadas por algum crime.
A Colmeia Mágica foi fundada em 2002 e atendia crianças de 1 a 5 anos, do berçário ao ensino infantil. Atualmente está fechada.
Investigação de falsidade ideológica
A polícia também estuda a possibilidade de indiciar Roberta e Fernanda por falsidade ideológica. Segundo as investigações, antes de 2011, a escola não tinha autorização da Diretoria Regional de Ensino de Itaquera para funcionamento.
A renovação de autorização foi feita em 2016. Mas, segundo a investigação, foram apresentados documentos de professoras que não trabalhavam na escola.
Dados de pessoas que deixaram currículos no local também foram apresentados.
Primeiro inquérito
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O primeiro inquérito contra a Colmeia Mágica foi aberto após filmagens e fotografias viralizarem nas redes sociais e mostrarem seus alunos chorando, amarrados em lençóis. As imagens tinham sido feitas por ex-funcionárias da escola. A prática, conhecida na escolinha como “charutinho”, funcionava como castigo para conter crianças desobedientes e foi considerada criminosa pela investigação.
Após serem indiciadas por tortura e maus-tratos, Roberta, Fernanda e Solange foram condenadas pelos crimes na Justiça. O julgamento delas ocorreu no ano passado.
Roberta recebeu pena de 49 anos, 9 meses e 10 dias de prisão em regime inicial fechado, e 1 ano e 4 meses de detenção no semiaberto. Fernanda foi punida com 13 anos e 4 meses de detenção no semiaberto. As irmãs Serme estão presas atualmente.
Solange foi condenada a 31 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 8 meses de detenção em regime semiaberto. Ela, no entanto, continua em liberdade.
O g1 não conseguiu localizar as defesas das três mulheres investigadas para comentarem o assunto até a última atualização desta reportagem.
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FONTE: Por G1