A Justiça Federal do Distrito Federal definiu na quinta-feira (27) os atos de improbidade administrativa pelos quais o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) responderá em uma ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF).
A ação foi proposta em março de 2022 e envolve suspeitas de que Walderice Santos da Conceição, conhecida como Wal do Açaí, teria sido funcionária fantasma no gabinete de Bolsonaro, quando ele era deputado federal.
Conforme decisão da juíza Ivani Silva da Luz, da 6ª Vara Cível, Bolsonaro e Wal responderão por cinco tipificações de atos de improbidade, previstas em lei:
- usar em obra ou serviço particular o trabalho de servidores;
- facilitar a indevida incorporação ao patrimônio particular de bens, rendas ou verbas da administração pública;
- liberar verba pública sem obedecer normas ou “influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular”;
- permitir, facilitar ou concorrer para que outra pessoa se enriqueça ilicitamente;
- permitir o uso, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos e o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados.
A definição dos atos pelos quais os réus deverão responder é praxe nas ações de improbidade. Conforme a lei, a Justiça deve proferir decisão “na qual indicará com precisão a tipificação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu”.
Isso não quer dizer que a Justiça reconheceu a prática dos atos irregulares por Bolsonaro. Essa avaliação será feita em momento posterior, na sentença, e após levantamento de provas, oitiva de testemunhas e manifestação das partes.
“Não se está a afirmar que os Requeridos praticaram os atos ímprobos descritos na petição inicial – até porque esse exame, de cognição profunda, será feito na sentença, após a regular instrução probatória –, mas apenas que, diante dos elementos existentes nos autos, não se pode concluir pela inexistência manifesta do ato de improbidade a eles imputado”, disse a juíza.
Um relatório produzido pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão de combate à lavagem de dinheiro do governo federal, mostrou que o ex-presidente fez neste ano um pagamento de R$ 3,6 mil para Walderice Santos da Conceição.
Entenda
Walderice foi indicada pelo então deputado federal Jair Bolsonaro em fevereiro de 2003 para ocupar o cargo de secretária parlamentar junto ao seu gabinete em Brasília. Ela ficou no gabinete até agosto de 2018, quando foi demitida, após o caso ser divulgado pelo jornal “Folha de S.Paulo”.
Segundo a investigação realizada pelo MPF, durante os 15 anos em que esteve vinculada ao gabinete de Bolsonaro, Walderice nunca esteve em Brasília e não exerceu qualquer função relacionada ao cargo.
Além disso, segundo a ação, Walderice ainda prestava, juntamente com seu companheiro, Edenilson Nogueira Garcia, serviços de natureza particular para Bolsonaro, como o cuidado com uma casa na Vila Histórica de Mambucaba e com os cachorros de Bolsonaro. O MPF ainda cita que Walderice cuidava de uma loja de açaí na região.
A análise das contas bancárias de Walderice revelou, ainda, uma movimentação atípica, já que 83,77% da remuneração recebida nesse período foi sacada em espécie, sendo que, em alguns anos, esses percentuais de saques superaram 95% dos rendimentos recebidos.
Segundo o MPF, Bolsonaro tinha pleno conhecimento de que Walderice não prestava os serviços correspondentes ao cargo e, mesmo assim, atestou falsamente a frequência dela ao trabalho em seu gabinete para comprovar a jornada laboral exigida pela Câmara dos Deputados, de 40 horas semanais, e, assim, possibilitar o pagamento dos salários.
De acordo com o Ministério Público, “as condutas dos requeridos e, em especial, a do ex-deputado federal e atual presidente da República Jair Bolsonaro, desvirtuaram-se demasiadamente do que se espera de um agente público. No exercício de mandato parlamentar, não só traiu a confiança de seus eleitores, como violou o decoro parlamentar, ao desviar verbas públicas destinadas a remunerar o pessoal de apoio ao seu gabinete e à atividade parlamentar”.
Defesa
No processo, Bolsonaro e Wal começaram a ser defendidos pela Advocacia-Geral da União (AGU), mas depois ambos constituíram advogados particulares.
Em maio de 2022, a AGU havia defendido a rejeição da ação. “O MPF não foi capaz de demonstrar a materialidade das condutas atribuídas ao então deputado Jair Bolsonaro e à Walderice Santos da Conceição. Naturalmente, nem de soslaio evidenciou o dolo específico em suas condutas.
O fato de a ré nunca ter estado em Brasília não passa de indiferente jurídico, já que as regras vigentes expressamente autorizam a prestação de serviços no Estado Federado de representação”, disse o órgão.
A CNN entrou em contato com as defesas de Bolsonaro e Walderice, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço permanece aberto.
FONTE: Por CNN