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Universidades amenizam punições contra professores acusados por assédio sexual e permitem reincidências

Em 10 anos, 270 denúncias de assédios foram registradas; dessas, apenas 56 geraram punições, sendo 39 punições brandas

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Poucas denúncias geraram punições, sendo a maior parte delas brandas Tatiana Maksimova/Getty Images

O levantamento exclusivo e inédito da CNN sobre o quadro de denúncias de assédio sexual nas universidades brasileiras mostra que as instituições, na maioria das vezes, optam por punições amenas aos acusados. Em alguns casos, essa “complacência” resulta em novas denúncias de assédio contra os mesmos professores.

Nos últimos dez anos, das mais de 270 denúncias de assédio registradas pelas universidades, foram 56 punições, sendo 39 punições mais brandas, como suspensões e Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), que nada mais são que acordos dos acusados com o Ministério Público para evitar ações judiciais.

Dentre as punições, as mais recorrentes são suspensões dos docentes (foram aplicadas em 17 casos), advertências (em oito processos) e TACs (em sete oportunidades).
Além disso, em três casos, as universidades encaminharam os docentes acusados de assédio para tratamento psicológico ou psiquiátrico.

    CNN identificou nas respostas das instituições ao menos cinco vezes em que o assédio sexual aconteceu de forma reincidente — quatro delas envolvendo professores e uma, um servidor técnico-administrativo.

    Os casos ocorreram na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), na Universidade Federal de Sergipe (UFS) e na Universidade Estadual Paulista (Unesp).

    A UFMS foi a recordista em casos de reincidência. As primeiras denúncias registradas pela universidade são de 2016. Naquele ano, foram quatro acusações contra um mesmo docente. A instituição abriu uma investigação, mas o caso acabou arquivado.

    Anos depois, em 2022, a UFMS recebeu uma nova denúncia contra o mesmo professor. A corregedoria da universidade analisou o caso e novamente arquivou a acusação.

    Esse não foi a única vez em que um docente acusado de assédio sexual na universidade foi denunciado mais de uma vez ao longo dos anos.

    Um outro caso de reincidência se iniciou em 2018, quando a UFMS recebeu duas denúncias contra um professor. O caso foi encaminhado para a “unidade competente para a apuração”, segundo a universidade. Em 2019, o mesmo docente foi novamente denunciado.

    A universidade não forneceu informações sobre o nome do docente ou em qual unidade ele lecionava. Também não foram apresentadas mais informações sobre o resultado da apuração. A UFMS se limitou a dizer que “o docente não é mais servidor da UFMS, não pelo motivo da manifestação [denúncia]”.

    Por fim, a UFMS também tem em seus registros um caso de servidor técnico administrativo reincidente em denúncias de assédio sexual. Em 2021, foi registrada a primeira denúncia contra o servidor. Na oportunidade, a universidade firmou um Termo de Ajustamento de Conduta.

    Com o TAC, o denunciado se responsabiliza pelo ressarcimento do dano causado e se compromete a respeitar a lei e evitar novos episódios de desvio das normas.

    Não foi o caso na UFMS. O mesmo servidor técnico administrativo foi acusado novamente de ter assediado sexualmente estudantes da universidade. O caso está em análise pela corregedoria da universidade e ainda não teve resultado.

    O histórico na UFMS mostra que a regra é de arquivamento dos casos. Somente em relação aos docentes, foco inicial do levantamento da CNN, foram registradas 31 denúncias nos últimos dez anos. Ao todo, 22 foram arquivadas e apenas três resultaram em punições (uma demissão e duas penas mais leves). Dois casos permanecem em aberto.

    A UFMS foi uma das universidades que apresentou os dados à CNN de forma mais transparente, incluindo até mesmo informações sobre os casos de reincidência. A universidade não forneceu a íntegra dos processos, mas apresentou descrições sobre cada um dos casos. Também forneceu informações sobre os casos contra servidores técnicos administrativos.

    No caso da Universidade Federal de Sergipe, a reincidência foi punida de forma mais severa.

    Um professor do curso de engenharia elétrica da UFS foi acusado em 2018 de ter assediado uma estudante. O processo foi julgado em 2019 e resultou em 15 dias de suspensão.

    O mesmo docente voltou a ser denunciado em 2020. O caso foi analisado no ano seguinte e, desta vez, a universidade o puniu de forma mais rígida: o professor acabou demitido.

    O último caso foi registrado na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Além das mais de 60 universidades federais consultadas, a CNN também solicitou as mesmas informações às três instituições estaduais de São Paulo, que constam entre as maiores universidades do país e frequentemente em listas de melhores instituições da América Latina.

    Na Unesp, um professor da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design foi denunciado pela primeira vez em 2017. À época, o caso foi arquivado antes mesmo de uma investigação mais aprofundada. Durante a apuração preliminar, o processo foi rejeitado pela universidade.

    Em 2022, o mesmo docente voltou a ser denunciado por quatro mulheres que estudaram na Unesp. Desta vez, a universidade decidiu abrir uma sindicância contra o professor.

    Em janeiro deste ano, a Unesp abriu um processo administrativo contra o docente. A universidade terá 90 dias para concluir a investigação e decidir se aplicará alguma pena ao professor.

    Transferências de servidores

    Além disso, a CNN também identificou dois casos em que as universidades decidiram transferir os acusados de assédio sexual a outros departamentos para evitar novos problemas. Nesses dois casos (um envolvendo um docente e outro, um servidor técnico administrativo), não houve novas denúncias contra os acusados até o momento.

    As transferências foram realizadas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e na Universidade Federal de Roraima (UFRR).

    Na UFMG, um servidor técnico administrativo foi acusado de ter cometido assédio sexual contra um estudante (cujo gênero não foi informado). O caso foi investigado preliminarmente pela diretoria do Instituto de Ciências Exatas. A universidade decidiu não abrir um processo administrativo contra o trabalhador, remanejando-o de setor internamente.

    Já na Universidade Federal de Roraima, um professor (cujo nome foi omitido nesta reportagem) foi acusado por alunas de ter pegado em seus cabelos e de ter passado a mão nas costas de uma estudante de forma indevida.

    Mães e pais depuseram à universidade e relataram que suas filhas teriam sido alvo de atitudes consideradas invasivas por parte do professor, lotado na Coordenação Geral de Educação Básica da UFRR.

    “Houve por parte do professor [nome omitido] relatos de cunho íntimo em sala de aula, e nos corredores, o professor cantarolou músicas sem nenhum cunho pedagógico durante a aplicação de uma avaliação, tentou tocar no cabelo e costas de alunas, disse a uma aluna que daria todo o corpo dele para ela fazer o que quiser, se manifestado de forma ríspida ao questionar uma aluna quanto ela queria para calar a boca, utilizou linguajar não apropriado nas aulas da disciplina de história”, relatou a comissão responsável pela análise do processo.

    O professor admitiu ter tentado passar a mão no cabelo das alunas, mas, segundo ele, somente porque seriam parecidos com os de suas filhas. O docente relatou à universidade que não chegou a encostar nas estudantes.

    Sobre a acusação de passar a mão nas costas de uma aluna, o docente afirmou que ela estaria com a camiseta presa na cadeira, com parte de sua calcinha à mostra.

    “Então o professor pediu que a aluna ‘arrumasse’ sua blusa, senão ele não conseguiria continuar a sua aula por conta dos alunos que estavam sentados atrás da menina em questão”, consta no relatório elaborado pela comissão da UFRR que analisou o caso, ao qual a CNN teve acesso.

    O docente foi transferido para o setor administrativo da UFRR ao fim do processo.

    FONTE: Por CNN

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