Queda na aprendizagem e aumento das desigualdades e evasão escolar são principais impactos da pandemia na educação. Regiões mais afastadas dos centros foram as mais prejudicadas.
A história do estudante de 16 anos morador de Alenquer, no oeste do Pará, que subia nos galhos de uma mangueira para ter sinal de internet e acompanhar as aulas remotas durante a pandemia é emblemática dos problemas enfrentados pela educação brasileira no período.
Hoje, o paraense Artur Ribeiro Mesquita, aluno do primeiro ano do ensino médio, tem internet em casa e comemora poder estudar com menos dificuldade.
O setor educacional foi um dos mais afetados no país, com escolas fechadas, aulas suspensas e uma retomada lenta, o que causou grande impacto na vida de milhões de estudantes. Até que os prejuízos sejam amenizados, pesquisas apontam que deverão ser necessários, no mínimo, três anos. (leia mais abaixo)
A previsão para a recuperação da aprendizagem é da organização Todos Pela Educação baseada em pesquisas realizadas em outros países que fecharam escolas por conta de outras pandemias ou desastres naturais.
“É muito difícil a gente conseguir precisar [o tempo] porque nunca vivemos uma situação dessas antes, com escolas fechadas por tanto tempo. É um processo a longo prazo”, explica Ivan Gontijo, coordenador de Políticas Educacionais da entidade.
Com a retomada de atividades ainda lenta e readaptação das instituições de ensino, o reflexo foi visto no ensino dos estudantes. A pandemia revelou um cenário de desigualdades.
Gontijo pontua que o ensino remoto teve dois problemas: a estruturação não atendeu as necessidades básicas dos alunos e nem chegou igualitariamente a todos.
“Muitos estudantes não tiveram conectividade, não têm lugar adequado para estudar em casa, não têm os aparelhos, entre outros problemas”.
Foi o caso do estudante paraense. “O ensino ficou prejudicado, mas, com o tempo, ganhei internet em casa e ficou melhor. Agora, posso estudar dentro de casa. Antes, só pegava sinal lá na árvore”, conta Artur.
Com as flexibilizações, Artur voltou a ter aulas presenciais, mas ainda estuda pela internet. Ele passa uma semana morando em uma casa alugada na cidade para conseguir ir à escola e, na outra, acompanha o conteúdo pelo celular ou computador, possibilitado pela doação de suporte para ter acesso à rede de computadores na zona rural.
8 a 10 alunos impactados
Levantamento do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) revelou que a falta de computadores, de celulares e de acesso à internet em casa foram um dos principais problemas encontrados no ensino remoto.
A constatação foi feita com 86% das escolas ouvidas no estudo. Entre as públicas, o percentual das que relataram dificuldades por conta da falta de internet, celular e computador sobe para 93% nas municipais e 95% nas estaduais. Nas particulares, o número cai para 58%.
O levantamento foi feito no período entre setembro de 2020 a junho de 2021, por telefone, com pouco mais de 3,6 mil escolas públicas e privadas.
Impactos na educação
Para o coordenador de Políticas Educacionais da Todos pela Educação, a pandemia provocou três grandes impactos na educação brasileira: queda nos indicadores de aprendizagem, crescimento das desigualdades e do abandono e evasão escolar.
“Os estudantes aprenderam menos em 2021 que em condições normais e isso ampliou ainda mais para alunos pobres, de regiões longes de grandes centros. Houve, também, grande número de alunos que deixaram a escola”, ressalta Gontijo.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), divulgada no início do mês, revelou os efeitos causados pela pandemia nas taxas de atendimento escolar.
No terceiro semestre desse ano, houve um aumento de 171,1% entre crianças e jovens de 6 a 14 anos que estavam fora das escolas, na comparação com o mesmo período de 2019.
O percentual equivale a cerca de 144 mil alunos que não estavam matriculados e, conforme a pesquisa, o número representa 1% do total do total da faixa-etária e é a maior taxa observada nos últimos seis anos.
“Esse é um primeiro desafio e, depois, tem a questão de fazer a recomposição das aprendizagens, que é fazer os alunos aprenderem mais em um período de tempo mais rápido”, pontua Ivan Gontijo.
Ensino especializado
Se para a maioria dos alunos foi difícil estudar nos períodos mais críticos da pandemia, os problemas para os alunos da educação especial foram aprofundados.
Para o Todos Pela Educação, é necessário olhar com mais atenção a esse grupo para recuperar o tempo perdido e ampliar as possibilidades de aprendizagem.
Em Alenquer, no Pará, a mãe do jovem que precisou estudar na árvore tem também dois filhos surdos. Com a pandemia, ela encontrou ainda mais dificuldades para que os filhos não tivessem prejuízos nas aulas.
A agricultora Lúcia Ribeiro já tinha percorrido diversas escolas atrás de professores especializados. Ao encontrar uma instituição com professora da educação especial que sabia Libras, precisou criar estratégias para que os dois filhos acompanhassem as aulas pelo telefone.
“Eles também tinham dificuldade de acompanhar as aulas, pois tinham que subir na árvore aí o sinal era ruim. Também tinha chuva ou tinham que ir para cidade”, contou.
O g1 entrou em contato com Ministério da Educação e questionou sobre incentivos para a retomada da educação e recursos para minimizar os impactos da pandemia. Até a última atualização desta reportagem, o MEC não havia se manifestado.
Possíveis soluções para a educação
Ivan Gontijo reforça que é necessário implementar programas capazes de garantir incentivo aos estudos, como reforço e recuperação, e estimular os alunos a passarem mais tempo nas escolas.
“Tudo isso é muito importante para conseguir garantir que, por mais que essas crianças tenham vivido num cenário super desafiador eles não façam parte de uma geração marcada pela pandemia”.
“A gente precisa dar uma segunda chance para esses estudantes para que a pandemia não seja determinante no projeto de vida deles”, conclui.
FONTE: Por G1