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Vacina AstraZeneca/Oxford: risco de trombose é raríssimo e não há motivo para interromper imunização, avaliam cientistas

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GETTY IMAGES Legenda da foto, Vacina de AstraZeneca e Universidade de Oxford deve continuar a ser usada nas campanhas de imunização

A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) publicou hoje (07/04) um relatório que confirma uma possível relação entre a vacina Vaxzevria, de AstraZeneca e Universidade de Oxford, e o risco de trombose.

De acordo com a entidade, “coágulos sanguíneos incomuns juntos com o baixo nível das plaquetas devem ser listados em bula como um possível efeito colateral muito raro do imunizante”.

Apesar de admitir a probabilidade desse evento adverso acontecer, a EMA e outras instituições, como a Organização Mundial da Saúde, continuam a defender o uso da Vaxzevria, uma vez que os benefícios da vacina em prevenir a covid-19 superam em muitas vezes qualquer risco de efeito colateral.

Para o imunologista Gustavo Cabral, da Universidade de São Paulo, a descoberta tem um lado positivo. “Isso indica que as agências regulatórias estão cumprindo seu papel de investigar e fiscalizar. Isso só nos deixa tranquilos e nos dá mais segurança”, comenta.

A imunologista Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, concorda. “Por ora, não temos nenhuma publicação científica que estabeleça esse vínculo entre vacinas e trombose. Precisamos de estudos mais criteriosos para entender como esse imunizante causaria isso e se ele realmente está por trás desses casos”, aponta.

Mas como a vigilância sanitária europeia chegou a essas conclusões? E como isso pode afetar as campanhas de vacinação daqui pra frente?

Burburinho por semanas

As primeiras suspeitas de que a vacina de AstraZeneca e Universidade de Oxford poderiam estar relacionada a casos raros de trombose venosa começaram a pipocar entre o final de janeiro e início de fevereiro.

Primeiro, alguns países europeus anunciaram que não liberariam os imunizantes para indivíduos acima dos 55, 60 ou 65 anos.

O exemplo que gerou mais repercussão veio da Alemanha, que só aprovou a Vaxzevria para idosos no dia 4 de março, após várias semanas de discussão entre o governo local e a farmacêutica responsável pelo produto.

Ao longo do mês de março, as notificações de trombose venosa após a vacinação também aumentaram e chamaram a atenção: até 22/03, a EMA reuniu um total de 86 casos. Desses, 18 foram fatais.

As observações iniciais fizeram com que vários países, como França, Alemanha, Itália, Canadá e Holanda, interrompessem provisoriamente o uso desse imunizante.

Mas muitos deles retomaram as campanhas após alguns dias de paralisação.

O assunto ganhou ainda mais força ontem (06/04), quando Marco Cavaleri, presidente do Comitê de Avaliação de Vacinas da EMA, deu uma entrevista ao jornal italiano Il Messaggero dizendo que “está claro que há uma associação [da trombose] com a vacina”.

A agência europeia, que já estava investigando o assunto nas últimas semanas, não confirmou de imediato a informação de Cavaleri. Mas o relatório publicado nesta quarta (07/04) dá mais detalhes sobre a fala do especialista.

As conclusões

Após coletar todas as evidências, os cientistas da EMA admitiram a probabilidade, mesmo que baixíssima, de a Vaxzevria ter algo a ver com coágulos sanguíneos.

Ainda não se sabe o mecanismo exato de como isso acontece, mas acredita-se que a vacina desencadeie, num grupo muito reduzido de indivíduos, uma reação imune inesperada, que levaria a distúrbios na circulação sanguínea.

“A reação imune à vacina causaria uma diminuição no número de plaquetas, as células responsáveis pela coagulação sanguínea, e isso facilitaria a formação de trombos”, detalha a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas, nos Estados Unidos.

Esses trombos, por sua vez, poderiam entupir os vasos sanguíneos.

Essa explicação, vale reforçar, ainda é hipotética e precisa ser comprovada e detalhada por pesquisas criteriosas.

Até o momento, foram observados dois tipos de eventos adversos diferentes: 62 indivíduos desenvolveram uma trombose de seios venosos cerebrais, em que o coágulo bloqueia a passagem do sangue em uma veia do cérebro.

Essa condição é extremamente rara: de acordo com um levantamento da Santa Casa de Belo Horizonte, em Minas Gerais, menos de 1% de todos os casos de Acidente Vascular Cerebral (AVC) registrados no Brasil são provocados por esse fenômeno.

O segundo grupo de acometidos após a vacinação, que conta com 24 casos registrados na análise, sofreu uma trombose esplênica, em que o entupimento aconteceu numa veia do abdômen.

Como dito acima, a análise da EMA reuniu esses 68 casos, registrados até dia 22 de março.

Mas, nas últimas semanas, a entidade recebeu novas notificações: até 4 de abril, os números subiram para um total de 169 pessoas com trombose de seios venosos cerebrais e de 53 com trombose esplênica.

Ainda segundo o relatório da agência europeia, “a maioria dos casos reportados até agora aconteceram em mulheres abaixo dos 60 anos”.

Cabral reforça, porém, que não é possível estabelecer com 100% de certeza a relação da vacina com a trombose. “Trata-se de um número muito baixo de casos, que não permite ligar as duas coisas com relevância estatística”, diz.

Pode ser, portanto, que os distúrbios de coagulação estejam ocorrendo independentemente da aplicação das doses do imunizante.

Mas, como o problema aconteceu após a vacinação, é natural estabelecermos uma ligação de causa e efeito, que não necessariamente é verdadeira.

“Precisaríamos de um estudo que calcule a incidência desses tipos de trombose venosa na população que não foi vacinada. Assim, seria possível comparar com os números encontrados entre os imunizados e ver se há alguma diferença”, explica Bonorino, que também é membro da Sociedade Brasileira de Imunologia.

A partir daí, imunologistas, hematologistas e outros especialistas poderiam estudar a questão mais a fundo, para entender quais células e moléculas estão envolvidas nesses processos que só são observados numa parcela bem pequena da população.

Uma gota no oceano

Apesar de a notificação de efeitos colaterais ser feita de rotina e todos os casos merecerem a investigação apropriada, o risco de trombose após tomar a vacina de AstraZeneca/Oxford é extremamente baixo pelo que se sabe até agora.

Se considerarmos os dados divulgados pela EMA, foram 222 notificações de trombose no cérebro ou no abdômen num universo de 34 milhões de pessoas vacinadas no Espaço Econômico Europeu e no Reino Unido.

Isso significa, portanto, que 0,0006% dos imunizados tiveram esse efeito colateral.

Em outras palavras, seriam seis casos de trombose a cada 1 milhão de vacinados.

Utilizando esse mesmo parâmetro, o perigo da covid-19 é muito maior. De acordo com o site Our World In Data, o Brasil tem uma taxa de 1,5 mil mortes pela doença por milhão de habitantes.

Portanto, num momento em que a pandemia está em plena ascensão e continua a afetar dezenas de milhares de pessoas todos os dias, as autoridades em saúde pública avaliam que a Vaxzevria continua como uma poderosa aliada para prevenir a covid-19 e suas formas mais graves, que exigem hospitalização e têm alto risco de morte.

A própria EMA afirma em seu relatório que os achados recentes não mudam em nada as recomendações já publicadas, que defendem e aprovam o uso desta vacina no continente.

Por ora, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária não se pronunciou sobre a análise feita na Europa e como isso pode afetar a imunização no Brasil.

Vale lembrar que a campanha de vacinação contra a covid-19 no país depende unicamente de Coronavac (Sinovac e Instituto Butantan) e de Vaxzevria (AstraZeneca/Oxford e Fundação Oswaldo Cruz).

“É preciso levar em conta que vários países diversificaram as fontes de vacina e têm como optar por outras que não sejam da AstraZeneca. O Brasil não fez isso e tem só dois fornecedores até agora”, acrescenta Garrett.

Por enquanto, também não há registros confirmados de casos de trombose associados à vacinação no Brasil.

A BBC News Brasil procurou a Anvisa por meio da assessoria de imprensa, mas até a publicação desta reportagem não havia recebido nenhum retorno.

Mudanças práticas

Em seu relatório, a EMA defende que o risco de trombose seja incluído na lista de efeitos colaterais muito raros do imunizante de AstraZeneca/Oxford.

Mas essas informações coletadas até o momento não inviabilizam de maneira nenhuma as campanhas que utilizam as doses deste produto.

Portanto, se você faz parte do público-alvo da vacinação em sua cidade ou Estado, não há motivo para ter medo ou para postergar a ida ao posto de saúde: os estudos clínicos apontam que a Vaxzevria é segura e tem uma boa taxa de eficácia contra a covid-19.

Outra orientação da agência regulatória europeia é que todos os indivíduos que tomarem essa vacina procurem assistência médica se sentirem alguns dos sintomas da lista abaixo, até duas semanas após a vacinação:

-Dificuldade de respirar

-Dor no peito

-Inchaço na perna

-Dor abdominal persistente

-Dor de cabeça persistente

-Visão borrada

-Pequenas marcas avermelhadas na pele, próximas do local onde foi aplicada a dose

Bonorino lembra que é recomendação geral que todas as pessoas com sintomas persistentes após a vacinação procurem o serviço de saúde.

“Nós temos comitês que ficam o tempo inteiro monitorando e estudando essas notificações sobre eventos adversos após a vacinação”, informa.

Cabral ressalta que a imunização é o melhor caminho para controlar e combater a covid-19. “Eu entendo o temor das pessoas, mas precisamos levar em conta a situação grave que vivemos e entender que só as vacinas, testadas com rigidez e aprovadas pelas agências regulatórias, nos devolverão a estabilidade no futuro”, finaliza.

Visão dos responsáveis

Procura pela BBC News Brasil, a AstraZeneca enviou uma nota com esclarecimentos por e-mail.

Segundo a mensagem, a farmacêutica “tem colaborado ativamente com as agências reguladoras para implementar essas alterações na bula do produto e já está trabalhando para entender os casos individuais, a epidemiologia e os possíveis mecanismos que poderiam explicar esses eventos extremamente raros”.

O texto continua: “Adicionalmente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) disse hoje que, com base nas informações atuais, uma relação causal é considerada plausível, mas não é confirmada, acrescentando que mais estudos são necessários para compreender plenamente a relação potencial entre vacinação e possíveis fatores de risco. Além disso, a OMS observou que, embora preocupantes, os eventos sob avaliação são muito raros, com números baixos relatados entre os quase 200 milhões de pessoas que receberam a vacina de AstraZeneca em todo o mundo”.

FONTE: André Biernath da BBC News Brasil em São Paulo

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