O Afeganistão conhece bem momentos de turbulência e disrupções na vida diária. Este é o caso mais uma vez.
Com a saída das forças dos Estados Unidos do país, extremistas do Talibã estão conquistando cidade atrás de cidade, província atrás de província. Eles estão aterrorizando a população, usando suas casas como bases militares e extorquindo e matando cidadãos sem um pingo de hesitação ou remorso.
Para jornalistas, o simples ato de sair para trabalhar tem sido assustador. Eles estão entre os piores inimigos do Talibã devido à natureza de seu trabalho, que é registrar e conscientizar sobre os acontecimentos no país.
Já há muito tempo que o Afeganistão é um lugar perigoso para jornalistas. De acordo com a Repórteres Sem Fronteiras, pelo menos 100 jornalistas, incluindo 15 jornalistas estrangeiros, foram mortos devido ao seu trabalho nos últimos 20 anos, enquanto mais de 60 meios de comunicação foram destruídos ou atacados e centenas de ameaças foram feitas contra jornalistas e a mídia”. Desde 2018, mais de 30 profissionais de mídia e jornalistas foram mortos no Afeganistão, segundo detalhou a ONU em um relatório publicado em março deste ano. De setembro de 2020 a janeiro de 2021, pelo menos seis jornalistas e profissionais de mídia foram mortos em várias tentativas de assassinato pelo país.
O Nai Media Institute, ONG que apoia a mídia livre no Afeganistão, tem mapas que permitem visualizar dados sobre a violência contra os jornalistas.
A situação se deteriorou com o avanço do Talibã pelo país. “Centenas de civis foram mortos ou feridos em ataques insurgentes, incluindo assassinatos seletivos de jornalistas e autoridades”, de acordo com a Human Rights Watch. Mais de 90 meios de comunicação no Afeganistão fecharam, conforme noticiou o Voice of America esta semana, a maioria em províncias onde o Talibã já chegou, disseram autoridades afegãs citadas no relatório.
Em busca de uma saída, afegãos que já trabalharam com os Estados Unidos tiveram a oportunidade de buscar asilo ou obter um visto através do Departamento de Estado. Um grupo de jornalistas e cineastas franceses de prestígio recentemente pediu ao governo Macron que garantisse asilo aos seus companheiros afegãos, e um grupo de jornalistas britânicos fez o mesmo.
Buscar asilo, porém, pode ser um processo longo e complicado, atolado em incerteza. Mesmo se agilizado, ainda seria provavelmente difícil para os jornalistas afegãos. Enquanto isso, há pouca especulação sobre o destino deles se o Talibã assumir o controle completamente. Um número grande de jornalistas está vivendo e trabalhando com medo hoje, incerto sobre o que o destino guarda pela frente. A maioria não sabe se vai ter um teto amanhã ou de onde virá a próxima refeição da família.
Um jornalista afegão contou à IJNet, sob condição de anonimato, que quase todos os jornalistas nas principais cidades estão sob o risco de se tornarem alvos, serem feridos e até mortos pelos membros do Talibã. “Há poucas coisas que o Talibã abomina mais do que uma imprensa livre e a liberdade de expressão”, disse o jornalista.
De acordo com a fonte, jornalistas que não estão se escondendo estão “batendo na porta de todas as embaixadas” na esperança de conseguir um visto para fugir do Afeganistão e procurar asilo em outro país.
Aqueles que trabalharam como correspondentes para meios de comunicação ocidentais estão desesperadamente pedindo aos seus chefes que escrevam cartas de recomendação para que possam solicitar às embaixadas vistos com base nessas cartas, explicou o jornalista, acrescentando que aqueles que não conseguem viajar para o ocidente estão seguindo para o Irã.
A crise é ainda mais desesperadora para mulheres jornalistas. Elas são duplamente odiadas pelo Talibã, que é notório por seu tratamento violento contra civis e por proibir mulheres de participarem ativamente da sociedade. Mulheres jornalistas desafiam isso porque se arriscam fora das quatro paredes de suas casas, em busca de independência e no esforço de fazer a diferença em suas próprias vidas e nas de seus concidadãos.
Por décadas, os afegãos foram sujeitos à brutalidade em sua pior forma. Eles testemunharam a morte de entes queridos, perderam seu dinheiro suado para a extorsão e viram a destruição de sua propriedade depois de anos de trabalho duro. De invasões estrangeiras a conflitos tribais, eles viram, viveram e sentiram de tudo.
Junto com ativistas e organizações de direitos humanos, talvez nós possamos dar passos, cada um do nosso jeito e mesmo que pequenos, para abrir os olhos do mundo para o sofrimento da população afegã enquanto ela luta contra o mais recente e inimaginável desafio.
O momento é oportuno também, se não atrasado, para que o mundo aprenda mais sobre as experiências dos jornalistas afegãos — aqueles que estão conscientizando sobre os desafios enfrentados pela população do Afeganistão — e faça o possível para manter os jornalistas em segurança.
Agora é o momento de contar a história de quem conta histórias.
FONTE: REDE DE JORNALISTAS INTERNACIONAIS