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‘Servir vale a pena’: conheça cinco mulheres na linha de frente da pandemia

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Marisa Ferreira de Mello Pádua, 55 anos, psicóloga Foto: Acervo pessoal
A trincheira é feminina. Profissionais de diferentes áreas contam o que fazem para lidar com seus trabalhos, suas famílias e manter o equilíbrio

Um ano de pandemia e, em alguma medida, todos tiveram suas vidas transformadas pelo novo coronavírus — no trabalho, na vida pessoal, ou nos dois. A prevalência entre os afetados nas duas pontas é feminina.

Segundo levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU), as mulheres representam 70% dos profissionais nos setores social e de saúde e são três vezes mais responsáveis pelos cuidados não-remunerados em casa do que os homens.

São mulheres como Vera, Fabiana, Fernanda, Clara e Marisa, que saíram para trabalhar ao longo desse ano, enfrentando o medo de serem contaminadas, bagunçando e reorganizando suas vidas domésticas e, ainda assim, encontrando maneiras de prosseguir. Aqui, elas compartilham como foi encarar a pandemia na linha de frente da batalha e suas estratégias para manter algum nível de positividade e saúde mental.

Marisa Ferreira de Mello Pádua, 55 anos, psicóloga

“Quem teve perdas de pessoas queridas ou precisou implorar por uma vaga de hospital para um familiar vai entender a importância de valorizar a vida”

“Coordeno o setor de psicologia do Hospital Saboya, no Jabaquara (SP), e atuo numa enfermaria psiquiátrica. Estando na linha de frente, ainda mais na área de saúde mental, foi impossível me isolar. Enquanto todos estavam reclamando de ficar em casa, isso era tudo o que eu mais queria. 

Por mais cuidados que eu tenha tomado, acabei pegando Covid, em junho. Foi leve, tive apenas dor de cabeça e cansaço – sintomas que, mesmo agora, curada e tendo tomado as duas doses da vacina, continuo sentindo. Meu marido e minha sogra de 97 anos, que mora com a gente, também pegaram. Ela ficou assintomática. Ele teve sintomas mais fortes, que já passaram.

Houve aumento da carga de trabalho, com férias e feriados suspensos para darmos conta dos atendimentos a pessoas que tentavam o suicídio, pacientes com transtorno bipolar, esquizofrenia crônica. Eram casos muito graves que aumentaram demais durante a pandemia.

Foi (e está sendo) tudo muito pesado. E ainda vieram as perdas de colegas de trabalho, que foram muitas e significativas. E era inevitável não imaginar que eu poderia ser a próxima.

Tenho cinco irmãs e uma delas eu não vejo há um ano. Tenho dois filhos que moram no exterior, que também não sei quando vou poder encontrar. Já comprei a passagem para ver a minha filha, que está grávida, em julho, mas não sei se vai ser possível. Meu escape são a ioga e a meditação. É isso que me dá um suporte mental para poder confortar os pacientes e outras psicólogas com quem trabalho.”

Vera Aparecida dos Santos, 51, assistente social

“Aprendi que servir vale a pena, e quero sempre estar disponível para servir ao outro no combate à violência”

Vera Aparecida dos Santos, 51, assistente social
Vera Aparecida dos Santos, 51, assistente social

“Eu atuo na prevenção contra a violência sexual, dando orientação e apoio às vítimas de todos os gêneros e idades. Mesmo não sendo uma profissional da área de saúde, acabei ficando imersa nesse universo. A pandemia trouxe um aumento nos casos de violência sexual contra mulheres e crianças. Fui deslocada para uma unidade de saúde para atender urgências.

No começo, faltavam equipamentos de proteção e tínhamos de atender vítimas que chegavam com sintomas de Covid. Convivi com a agonia de ver crianças com sangramento vaginal sem atendimento – todos os esforços estavam focados na pandemia. Tentava dialogar com as unidades e pedir atendimento médico a vítimas com sinais de violência sexual.

Isso me causava muita angústia. Tive dor de cabeça constante por conta da tensão. O caminho que encontrei para lidar com todo esse stress foi a descontração e o apoio dos colegas. Elegemos o horário de almoço como nosso momento de conforto, a hora de conversar sobre qualquer assunto que não fosse Covid, de brincar, dar risada, e de comer muito doce.

Sou solteira e moro sozinha. Tenho um irmão que mora do lado do meu apartamento, e desde março do ano passado eu não vou lá. A meditação, que já era importante na minha vida, ficou ainda mais. Eu segui fazendo acompanhamento psicológico online. Fui convidada a participar de lives sobre prevenção à violência e fiquei feliz em contribuir de uma forma nova para salvar a vida de mais mulheres.”

Fabiana Cristina de Oliveira, 30, diarista

“Aprendizado e empatia são as palavras que definem 2020 para mim. Em nenhum momento deixe de sentir e de transmitir amor”

Fabiana Cristina Almeida de Oliveira, 30, diarista
Fabiana Cristina Almeida de Oliveira, 30, diarista

“Sou de Recife, mas vivo em São Paulo há 9 anos. Trabalho em diferentes casas, de segunda a sábado. Continuei indo para algumas famílias até o fim de março do ano passado. Em abril, parei de ir em todas as casas. Algumas pessoas se prontificaram, de uma maneira linda, a continuar me pagando. Mas nem todas puderam.

Eu ganhava 2 mil reais por mês, e passei a ganhar metade. Por sorte, meu marido trabalha em um mercado e não parou. Mesmo assim, temos três filhos. Foi uma geração de dívida enorme. Tive de reduzir as despesas, as compras de mercado. Era armário ficando vazio e nada de dinheiro entrando.

Esse período sem trabalhar foi o que eu senti mais medo de pegar Covid. Meus filhos não estavam indo para a escola e eu não deixava ninguém sair para nada, nem para colocar o lixo na rua. Imagina três crianças ansiosas para sair e brincar…

Apesar de todos os cuidados, acabei pegando Covid em setembro, quando voltei a trabalhar. Foi apavorante. A evolução foi muito rápida. Eu estava trabalhando e, de repente, senti uma falta de ar imensa, uma sensação de desmaio, e fiquei com febre. Passei cinco dias sem conseguir sair da cama.

Tivemos de fazer um esquema de guerra em casa para eu não contaminar meus filhos e meu marido. Fiquei trancada no quarto. Meu marido tirou uma licença do trabalho para cuidar de mim e das crianças, que choravam o tempo todo. Ninguém em casa pegou.

Minha fé me ajudou a manter a saúde mental. Em nenhum momento me senti sozinha. Voltei a trabalhar em todas as casas, estou com a semana fechada. Hoje, somos uma família mais feliz e meus filhos reconhecem meu esforço para trazer dinheiro para casa”.

Fernanda Justo Descio Bozola, 36, médica infectologista

“A pandemia me fez valorizar ainda mais as coisas simples, como um abraço de familiares e amigos”

Fernanda Justo Descio Bozola, 36, médica infectologista
Fernanda Justo Descio Bozola, 36, médica infectologista

“Trabalho no controle de infecção do Hospital Sírio-Libanês. Em 2019, fiquei grávida e, no final da gestação, chegou a pandemia. Naquele momento, eu enfrentei o medo do vírus e o desconhecimento da maternidade. Por conta do isolamento, não tive ajuda de ninguém, além do meu marido. Me senti um pouco culpada, porque tive de ser afastada do hospital em abril, por causa da gravidez. 

Minha filha nasceu em maio. Meu marido tirou férias e depois ficou trabalhando em home office. Éramos só ele e eu cuidando da Cecília. Sentia falta de ter a minha mãe perto de mim, ou uma amiga que pudesse ir em casa. Trocava mensagens, ligava, mas não é a mesma coisa. Por outro lado, isso fortaleceu o vínculo entre nós três em casa.

Quando tive de voltar a trabalhar presencialmente, veio o stress de encontrar alguém para ficar com a minha filha. Hoje uma profissional maravilhosa trabalha com a gente. Nesse momento, já tínhamos 6 meses de pandemia no Brasil. Eu sabia as medidas de prevenção e sempre tive equipamentos de proteção individual no hospital. Vou trabalhar com tranquilidade, porque sei que estou protegida.

Me senti realizada em poder participar do enfrentamento da pandemia como médica infectologista, colocar em prática tudo o que eu estudei. Mas o trabalho é muito intenso e preciso chegar em casa bem para cuidar da minha bebê. É ela que me mantém forte. A minha estratégia para lidar com a situação é separar minha vida profissional da minha vida doméstica. Quando saio para trabalhar, respiro fundo e entro na sintonia 100% trabalho. Na volta para casa, faço o inverso. Tomo um banho e digo: ‘pronto, mamãe chegou’.”

Clara Esther Maciel dos Santos, 35, enfermeira

“A pandemia me trouxe autoconhecimento, porque fui obrigada a me cuidar”

Clara Esther Maciel dos Santos, 35, enfermeira
Clara Esther Maciel dos Santos, 35, enfermeira

“Quando a pandemia chegou, eu estava em período de experiência como enfermeira-líder no Hospital Sírio-Libanês. Hoje, sou coordenadora da UTI. Apesar dos ganhos profissionais, foi um período muito difícil, especialmente na minha vida pessoal.

Meu marido trabalha em uma indústria metalúrgica e o serviço caiu bastante. Ele ficou trabalhando em casa, com redução salarial, e cuidando dos nossos dois filhos. Tive de assumir praticamente todas as contas. Saía de casa às 5h e não tinha hora para voltar. 

Eu tinha muito medo dessa doença, que era totalmente desconhecida. A gente não sabia como tratar, que tipo de paramentação utilizar. Eu tinha pavor de levar o vírus para casa. Passei quatro meses usando máscara dentro de casa, dormindo separada do meu marido. E sem abraçar meus filhos.

Sentia que eu não estava conseguindo dar conta de ser profissional, mãe e companheira. Em agosto, tive uma crise de ansiedade séria e precisei me afastar. Pensei em desistir de tudo. Conversei com a minha coordenadora e ela sugeriu que eu tirasse 15 dias de férias com o compromisso de me cuidar. Desde então, faço terapia toda semana.

O medo ainda existe, mas hoje me sinto mais protegida no hospital do que fora, porque temos todos os protocolos. A terapia tem sido fundamental para enfrentar esse período e entender que eu tenho vários papéis, como profissional, mãe, companheira, e ainda tem que sobrar um tempo para mim.”

FONTE: Fernanda Colavitti, da CNN, em São Paulo.

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