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Desaparecidos na Amazônia: Atalaia do Norte fica no extremo oeste do AM e é marcada por conflitos; buscas continuam nesta sexta

Foi justamente nessa região que o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips foram vistos pela última vez. Justiça decretou prisão de suspeito após perícia achar sangue em lancha.

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Atalaia do Norte, onde indigenista e jornalista desapareceram, fica no extremo oeste do Amazonas — Foto: Divulgação/Comando Militar do Amazônia

O município de Atalaia do Norte, onde o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips desapareceram, fica localizado no extremo oeste do Amazonas, num lugar remoto da selva amazônica marcado por conflitos ligados a invasões em terras indígenastráfico de drogasdesmatamento e garimpo ilegal.

As buscas pelos desaparecidos, que viajavam pelo Vale do Javari, continuam nesta sexta-feira (10). Na noite de quinta, foi decretada a prisão temporária por 30 dias de um suspeito de envolvimento no caso. Conhecido como “Pelado”, Amarildo da Costa de Oliveira foi visto por ribeirinhos no rio passando logo atrás da embarcação dos dois. Além disso, a perícia feita na lancha dele encontrou vestígios de sangue – ainda não se sabe se é humano ou de animais.

O g1 fez um mapeamento da cidade, que detém 76% do território da Terra Indígena Vale do Javari, a segunda maior do país. Foi justamente dentro dessa área que Bruno e Phillips foram vistos pela última vez. Os dois chegaram na comunidade ribeirinha São Rafael por volta das 6h de domingo (5). De lá, eles partiram rumo a Atalaia do Norte, viagem que dura aproximadamente duas horas de lancha, mas não chegaram ao destino.

Rota do tráfico e de garimpeiros
Dragas são identificadas realizando atividades de garimpo ao lado de terra indígena no AM. — Foto: Reprodução/Rede Globo
Dragas são identificadas realizando atividades de garimpo ao lado de terra indígena no AM. — Foto: Reprodução/Rede Globo

Atalaia fica bem na fronteira com o Peru: de um lado do rio Javari, é território brasileiro. Na outra margem, já é o país vizinho.

Com pouco mais de 20 mil habitantes, o município é rodeado pelas cidades de Guajará, Ipixuna e Benjamin Constant, que também são pequenas, com uma população que varia entre 17 mil (Guajará) e 44 mil (Benjamin Constant).

Para chegar a Atalaia do Norte, há dois caminhos: um é a BR-307, que liga Benjamin e Atalaia. São 26 Km entre as duas cidades em uma rodovia quase toda pavimentada. Já outra forma de chegar até o município é o rio Javari, que leva até Tabatinga, que é a outra cidade maior da região. São quase 24h horas de viagem entre as cidades. Da região de Tabatinga até Manaus, são cerca de 1.100 quilômetros.

Por fazer fronteira com o Peru, a cidade é rota do tráfico internacional de drogas. A droga produzida no país vizinho é transportada pelos rios da região e passa por Atalaia do Norte com destino ao restante do Brasil.

Dentro do Vale do Javari também há a presença de garimpeiros e de madeireiros. Em 2020, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) denunciou atividades de garimpo no local. Na época, a entidade identificou pelo menos cinco dragas no rio Jutaí, funcionando dentro da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Cujubim, no limite da terra indígena.

Essa não foi a primeira vez que garimpeiros invadiram a região. Em 2019, a Polícia Federal destruiu 60 balsas na mesma área e, em setembro de 2020, uma operação desativou quatro dragas no rio Bóia, também dentro do Vale do Javari. Não há uma estimativa de quantos garimpeiros estão na área atualmente.

Já os madeireiros perderam força na região nos últimos anos, mas aqueles que ficaram ainda levam a madeira extraída no Vale para o lado peruano, onde a fiscalização é mais branda.

Conflitos indígenas
Grupo da etnia korubo contatado em 2014: Terra Indígena Vale do Javari tem maior concentração de povos isolados do mundo, segundo a Funai — Foto: Funai
Grupo da etnia korubo contatado em 2014: Terra Indígena Vale do Javari tem maior concentração de povos isolados do mundo, segundo a Funai — Foto: Funai

A área também é marcada por conflitos entre indígenas e indígenas isolados. Em 2021, um coordenador da Fundação Nacional do Índio (Funai) sugeriu “meter fogo” nos indígenas isolados, em uma reunião que aconteceu no Vale do Javari, que concentra o maior grupo de não contactados no mundo.

O áudio foi divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo. Nele, o coordenador afirmou que, se a Frente de Proteção Etnoambiental não cuidasse dos índios isolados, ele iria “meter fogo” neles e que esses índios estariam saindo de suas aldeias para importunar indígenas de outra etnia.

No município, além dos não-indígenas, vivem indígenas das etnias Marubo, Mayoruna, Matis, Kulinas, Kanamari e recentemente contactados os Korubo e os Tsohom-dyapa. Segundo um levantamento do Terras Indígenas do Brasil, cerca de 6 mil indígenas vivem no Vale do Javari.

A cidade

O território de Atalaia do Norte se estende por uma vasta área de 76.435,093 km². A cidade vive da caça e da pesca, além do serviço público.

De acordo com o IBGE, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é de 0,450. Esse número leva em conta três indicadores longevidade, educação e renda e varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano.

Em 2019, o PIB per capita (que é a soma de todos os bens produzidos pela cidade dividida pelos habitantes) era de R$ 7.578,72 em 2019, colocando o município entre os cinco mais pobres do Amazonas. A taxa de escolarização de 6 a 14 anos, em 2010, era de 65,5%.

Violência e ameaças
Malocas de índios Korubo são vistas na terra indígena Vale do Javari, no Amazonas. — Foto: Reprodução/Univaja
Malocas de índios Korubo são vistas na terra indígena Vale do Javari, no Amazonas. — Foto: Reprodução/Univaja

Dados da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP) apontam que Atalaia do Norte registrou sua última morte violenta em 2019. De lá para cá, a cidade nem sequer entra nas estatísticas do órgão sobre crimes no interior do estado. No entanto, a coisa não é bem assim.

Em 2019, a BBC mostrou a escalada de ataques à base de Proteção Etnoambiental Ituí-Itacoaí da Fundação Nacional do Índio (Funai), no Vale do Javari. Entre novembro de 2018 e o mesmo período em 2019, foram oito ataques contra a base — o maior número desde a demarcação da reserva, em 1998.

Na época, as investigações apontavam que os ataques partiam de pescadores e caçadores ilegais de Atalaia financiados sobretudo por grupos de contrabandistas de animais de Tabatinga e Benjamin Constant, as duas maiores cidades da região. Os animais eram vendidos para compradores brasileiros, peruanos e colombianos.

Não é de hoje que se trata de uma região conflagrada. Em 2000, um grupo de cerca de 300 pescadores autodenominados de Movimento dos Sem Rio, de Atalaia do Norte e Benjamin Constant, atacou a base do Ituí-Itacoaí e a sede da Funai em Atalaia do Norte com coquetéis molotov.

Houve confronto e troca de tiros com servidores do órgão indigenista e fiscais do Ibama, conforme noticiou na época o jornal amazonense A Crítica. A homologação da Terra Indígena em 2001 culminou em um processo que retirou, mediante indenização, a população não-indígena do Vale do Javari — pessoas que chegaram à região no começo do século 20, na esteira do primeiro ciclo da borracha.

Uma parte delas se estabeleceu em Atalaia do Norte depois da homologação e, a partir daí, o confronto entre indígenas e não indígenas, antes frequentes, tornaram-se esporádicos. No fim do ano passado, as disputas voltaram a ocorrer.

Ameaças recentes
Terra indígena Marubo, do Vale do Javari, no Amazonas — Foto: Sebastião Salgado
Terra indígena Marubo, do Vale do Javari, no Amazonas — Foto: Sebastião Salgado

Em setembro do ano passado, o Ministério Público Federal em Tabatinga, abriu procedimento administrativo para acompanhar o trabalho de uma equipe de vigilância indígena da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) no Vale do Javari.

Em maio deste ano, a Univaja apresentou ao MPF um documento com informações sobre a ação de invasores que estariam praticando crimes ambientais dentro do vale e também sobre ameaças contra membros da entidade.

Após formalizar procedimentos para apurar as informações recebidas, o MPF realizou missão institucional in loco em Atalaia do Norte, na penúltima semana de maio, durante a qual reforçou, entre outros assuntos, a necessidade de trabalho conjunto entre a equipe de vigilância da entidade e as forças policiais para resguardar a segurança dos membros da entidade.

Na última semana, como parte do procedimento já autuado, o MPF requisitou instauração de inquérito policial para apuração de crimes praticados por invasores, a partir das informações da Univaja.

FONTE: Por G1 AM

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