O governo brasileiro anunciou os primeiros testes do real digital. Essa é a notícia que você deve ter ouvido nos últimos dias. O que muita gente talvez não tenha entendido é que, na prática, a gente tá falando de uma moeda TOTALMENTE nova. Tanto que o nome anunciado nem é Real, é DREX: “D” de “digital”, “R” de “rastreável”, “E” de “eletrônico” e o “X” representa modernidade, conexão e, de uma certa forma, as inúmeras transações financeiras que vão poder ser feitas com esse negócio.
O problema dessa história, pra mim, é que a comunicação tá um pouco esquisita. Já começa pelo jeito que tá todo mundo chamando isso: “Real digital”. Ok, eu entendo o conceito. Mas acho que falar assim mais complica que explica. E o motivo é muito simples: de todo o dinheiro que existe em circulação no Brasil, só pouco mais de 3% tão impressos. A maior parte já é “digital”, ou seja, só existe, teoricamente, nas contas dos bancos. Os próprios bancos, aliás, já são em grande parte também digitais.
Entende como chamar a nova moeda só de “real digital” diz muito pouco? Tá, qual seria a alternativa, então? Na minha opinião, um jeito muito mais eficiente de explicar de cara a diferença da nova moeda seria chamá-la de “real rastreável”. O “R” do Drex é a única letra que traz alguma coisa que é de verdade revolucionária nessa história. Mas pouca gente sabe explicar isso de cara.
Sabe o número de série que cada nota física tem? É como se fosse o código de fabricação dela. Nos filmes, a gente vê os bandidos pedindo resgate de sequestro em dinheiro vivo e notas “não sequenciais”. Isso é pra tentar eliminar qualquer chance de identificarem a origem daquele dinheiro. A questão é que, com o Drex, esse número não só fica registrado na operação como pode ficar visível durante o processo. E isso muda tudo porque garante que quem recebe o dinheiro saiba exatamente de onde ele saiu.
Pra explicar de um jeito mais claro, imagina o seguinte: É como se tivesse um rastreador via gps na nota de R$100 que você recebeu pelo pagamento de um produto que você vendeu. E esse rastreador teria sido “instalado” na nota no momento em que o Banco Central fez a impressão dela. Se fosse assim, você ia conseguir saber dizer exatamente por quais mãos essa cédula passou até chegar na sua.
Numa operação comum isso faz pouca ou nenhuma diferença, mas conseguir fazer o caminho inverso de operações financeiras rastreando exatamente a origem do dinheiro é a arma mais poderosa no combate, por exemplo, a crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e outras bizarrices do tipo. Como é que eu vou gastar uma grana que vem com um registro de origem de um paraíso fiscal, por exemplo? Entende porque vai muito além do fato de ser só digital? Entende porque isso muda tudo?
Isso tá rolando não só no Brasil. Depois que se popularizou o conceito de criptoativo, os governos do mundo todo tão tentando evoluir nesse sentido e tão se baseando na tecnologia do próprio bitcoin, a blockchain. Pra quem não entende do assunto, eu vou tentar explicar de um jeito bem grosseiro: blockchain é uma tecnologia que pega a ordem de uma operação e divide essa ordem em vários blocos separados.
Esses blocos vão pra uma rede de aprovadores virtuais que precisam “dar ok” na operação pra ela seguir adiante. Quando todo mundo aprovou a ordem, os blocos que estavam espalhados se juntam no fim da cadeia e concluem a operação que chega na outra ponta aprovada por uma rede que é muito segura porque é totalmente “descentralizada”. Teoricamente, uma pessoa sozinha não conseguiria fraudar essa operação porque todos os outros muitos validadores virtuais disseram que tava tudo certo. E cada validador enxerga só um pedacinho da operação.
Esse pedacinho não é capaz de invalidar o todo, entendeu?!
A tecnologia que tá por trás do Drex não é a blockchain, mas funciona de um jeito muito parecido. É por isso que, há quem diga que esse processo é “à prova de hackers”. Hoje, quem faz a validação dessas operações de transferência, por exemplo, são os próprios bancos. Com a nova tecnologia, essa função deles meio que perderia o sentido.
E tem outra possibilidade bacana nessa história, que são os contratos inteligentes – como eles funcionam? Eu vendo um carro ou uma casa e, eletronicamente, só libero o dinheiro pro vendedor no momento em que o bem estiver no meu nome. Tudo automático, sem ninguém ter que “confiar” em ninguém. Muito mais justo, né?!
Tem mais detalhes nessa história, mas, a grosso modo, esse é o ponto principal que, em muitas discussões, eu sinto que tá passando um pouco despercebido. O Drex é uma baita ideia! E quanto mais a gente entender o porquê disso, melhor pra todo mundo. Por mais que ache pouco inteligente, a gente pode até continuar chamando de “Real digital”, tranquilo. Mas desde que a gente entenda que “ser digital” não é necessariamente o mais importante dessa história!
FONTE: Por CNN