Governo Bolsonaro censura comédia de 2017 alegando apologia à pedofilia
O Ministério da Justiça censurou a comédia “Como se tornar o pior aluno da escola”, de 2017, alegando apologia à pedofilia.
A decisão, tomada pelo Ministério da Justiça, foi divulgada nesta terça-feira (15), depois de a produção ficcional ser atacada por bolsonaristas nas redes sociais por conta de uma cena em que crianças sofrem assédio sexual de um personagem adulto.
Num despacho publicado no “Diário Oficial da União”, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça argumenta que a suspensão busca “a necessária proteção à criança e ao adolescente” e prevê multa de R$ 50 mil por dia em caso de descumprimento. Em 2017, a pasta havia liberado o filme com a classificação indicativa de não recomendado para menores de 14 anos.
A determinação foi aplicada a Netflix, Globo (dona das plataformas Telecine e Globoplay), Google (YouTube , Apple e Amazon. (Veja, abaixo, o que as plataformas disseram).
Ao jornal O Globo, o ator Fabio Porchat – que interpreta o adulto que assedia sexualmente dois alunos de uma escola – ressaltou que o filme é uma peça de ficção.
“Como funciona um filme de ficção? Alguém escreve um roteiro e pessoas são contratadas para atuarem nesse filme. Geralmente, o filme tem o mocinho e o vilão. O vilão é um personagem mau. Que faz coisas horríveis. O vilão pode ser um nazista, um racista, um pedófilo, um agressor, pode matar e torturar pessoas…”, disse.
“Quando o vilão faz coisas horríveis no filme, isso não é apologia ou incentivo àquilo que ele pratica, isso é o mundo perverso daquele personagem sendo revelado. Às vezes, é duro de assistir, verdade.”, continua.
Juristas ouvidos pelo g1 afirmaram que a ordem do Ministério da Justiça fere o inciso 9 do artigo 5 da Constituição. O inciso 9 diz que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Eventuais limites da liberdade de expressão só podem ser discutidos pelo judiciário.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu em uma ação direta de inconstitucionalidade que nem mesmo a exibição de um programa em horário diverso ao da classificação indicativa poderia resultar em penalidade, o que demonstra como a proibição da exibição do filme contraria a jurisprudência.
“Neste caso, o Ministério da Justiça está ultrapassando os limites de suas competências. E mais, é uma contradição lógica entre uma decisão, que considera o filme apto para qualquer pessoa com mais de 14 anos, e, em uma segunda decisão, atuando fora do âmbito das competências do Ministério da Justiça, resolve proibir o filme em um ato típico da ditadura militar”, afirma o jurista e especialista em direito constitucional Gustavo Binenbojm, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Ataques nas redes sociais
“Como se tornar o pior aluno da escola” é baseado no livro de mesmo nome escrito por Danilo Gentili e lançado em 2009. Ele atua e é um dos roteiristas do filme.
No último domingo, quase 5 anos após o lançamento, o filme passou a ser atacado nas redes sociais acusado de estimular a pedofilia.
O deputado federal Marco Feliciano (PL-SP), um dos críticos, apagou uma postagem que fez em 2017 na qual parabenizava Gentilli. “Confesso que ñ me recordo da cena q faz apologia à pedofilia, devo ter saído para atender o telefone”, escreveu o parlamentar na segunda-feira.
Gentili e Bolsonaro
Em 2016, sem citar o nome de Bolsonaro, Gentili criticou a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) no episódio em que o então parlamentar disse que ela não merecia ser estuprada.
“Fica aí, Maria do Rosário, fica. Há poucos dias, tu me chamou de estuprador, no Salão Verde, e eu falei que não ia estuprar você porque você não merece. Fica aqui pra ouvir”, disse Bolsonaro em 2014. No ano seguinte, ele foi condenado pela declaração.
“Ai ela chama o cara de estuprador toma empurrão e dá chilique. Falsa e cínica para caraleo.”, escreveu Gentili em 2016 no Twitter
No último domingo, após os ataques ao filme, Gentili escreveu: “O maior orgulho que tenho na minha carreira é que consegui desagradar com a mesma intensidade tanto petista quanto bolsonarista. Os chiliques, o falso moralismo e o patrulhamento vieram fortes contra mim dos dois lados. Nenhum comediante desagradou tanto quanto eu. Sigo rindo”.
Como é a cena?
No filme, Pedro (vivido pelo ator Daniel Pimentel) encontra um caderno com técnicas sobre como colar em provas e como fazer bagunça na escola. Como ele está com chances de ser reprovado, ele decide encontrar o autor do livro, em busca de mentoria.
A etiqueta colada no caderno diz “Cristiano A. Vidal”. Ele e o amigo, Bernardo (Bruno Munhoz), encontram o endereço de Cristiano, interpretado por Fábio Porchat.
Na verdade, Cristiano não é o autor do caderno. O personagem de Porchat diz que teve o caderno roubado e que sofria bullying do autor do caderno (Danilo Gentili) quando estava na escola.
Ele ameaça ligar para os pais dos meninos para avisar que eles querem trapacear. Os meninos começam a discutir entre eles, e começa a cena que viralizou. O trecho criticado mostra Cristiano chantageando os garotos: “A gente esquece o que aconteceu e em troca vocês batem uma punheta para o tio”.
Os garotos jogam desodorante em Cristiano para se desvencilhar dele e saem correndo. Na cena seguinte, os meninos conversam sobre o ocorrido. “Foi mal mesmo, cara. Eu não queria que você pegasse no pinto”, diz Pedro para Bernardo, na fila da cantina.
Cristiano reaparece no fim do filme. Ele é escolhido para ser diretor da escola.
O que dizem as plataformas
Em nota, o Globoplay informou que está atento às críticas ao filme, mas que a decisão de retirá-lo do ar configura censura.
O Globopay está atento às críticas de indivíduos e famílias que consideraram inadequados ou de mau gosto trechos do filme Como Se Tornar O Pior Aluno Da Escola mas entendem que a decisão administrativa do Ministério da Justiça de mandar suspender a sua disponibilização é censura. A decisão ofende o princípio da liberdade de expressão, é inconstitucional e, portanto, não pode ser cumprida.
As plataformas respeitam todos os pontos de vista mas destacam que o consumo de conteúdo em um serviço de streaming é, sobretudo, uma decisão do assinante – e cabe a cada família decidir o que deve ou não assistir.
O filme em questão foi classificado, em 2017, como apropriado para adultos e adolescentes a partir de 14 anos pelo mesmo Ministério da Justiça que hoje manda suspender a veiculação da obra.
FONTE: Por G1