A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga ações e omissões no combate à pandemia pelo poder público chega nesta quarta-feira (19/5) à sua décima reunião, desta vez com a presença do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde por dez meses no governo de Jair Bolsonaro.
Apesar de precisar comparecer à oitiva, Pazuello conseguiu o direito de ficar em silêncio se quiser, após um pedido de habeas corpus concedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski.
A primeira reunião da CPI ocorreu em 27 de abril, quando ela foi instalada e teve seus membros escolhidos.
Desde então, já deram depoimento aos senadores os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich; o atual ministro Marcelo Queiroga; o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres; o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten; o gerente da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo; e o ex-ministro de Relações Exteriores Ernesto Araújo.
A abertura da investigação foi determinada no início de abril pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após senadores apresentarem mandado de segurança à Corte em que argumentavam que a presidência da Casa vinha ignorando o requerimento para instalação da CPI, mesmo com os requisitos formais sendo atendidos.
Uma vez instalada, seus componentes foram eleitos. O senador Omar Aziz (PSD-AM) foi escolhido como presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) como vice e Renan Calheiros (MDB-AM) como relator.
Ainda que os rumos e os resultados concretos das CPIs sejam imprevisíveis, há expectativa de que a investigação, que se estenderá por 90 dias, se debruce sobre uma série de questões sobre a conduta do governo federal no contexto da crise sanitária.
Se o governo foi omisso ou não na aquisição de vacinas, por exemplo, ou se colocou a população em risco ao estimular o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença, como a cloroquina.
O governo reagiu defendendo a ampliação do escopo da investigação, para além das ações do governo federal. Assim, após requerimento feito pelo senador Eduardo Girão (Pode-CE), também serão discutidos os repasses federais a Estados e municípios.
Bolsonaro conta com uma base pequena para defender suas posições na comissão. Entre os 11 membros, apenas 4 são governistas ou próximos ao Palácio do Planalto: Ciro Nogueira (PP-PI), Eduardo Girão (Podemos-CE), Jorginho Mello (PL-SC) e Marcos Rogério (DEM-RO).
Com isso, Bolsonaro não conseguiu emplacar aliados em nenhum dos três principais cargos da CPI.
Além dos membros fixos da comissão, outros senadores podem participar também das reuniões e oitivas, como fez nesta terça (18/5) a senadora Kátia Abreu (PP-TO). Ela é presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE) da Casa e participou de reunião com depoimento do ex-chanceler Ernesto Araújo.
Conheça, a seguir, o perfil de cada um dos membros titulares.
Omar Aziz (PSD-AM) – Presidente
O senador pelo Amazonas recebeu 8 dos 11 votos dos integrantes da comissão e foi eleito seu presidente. Ele já afirmou que um dos objetivos da CPI não é buscar “vingança” ou “condenar pessoas antecipadamente”.
“Nós temos é que investigar os fatos: por que não houve oxigênio para o povo do Amazonas? Por que não fizemos acordos e consórcios pra comprar vacina?”, disse à Globonews.
Na mesma entrevista, o senador chegou a mencionar que perdeu o irmão recentemente para a covid-19 e disse que não culpava “ninguém” pelo ocorrido.
“Não posso dizer que o presidente ou o governador foram responsáveis. Eu quero é que mais vidas sejam salvas”, acrescentou, referindo-se ao que acredita ser um dos objetivos da comissão, o estabelecimento de um protocolo único para enfrentamento da pandemia no país.
Em entrevista à BBC News Brasil, ele afirmou: ‘Muito mal explicado por que não compramos as 70 milhões de doses da Pfizer’.
Randolfe Rodrigues (Rede-AP) – Vice-presidente
O senador foi escolhido vice-presidente da CPI, com sete votos e quatro abstenções. Rodrigues é o autor da requisição que instaurou a CPI e não poupa críticas ao enfrentamento da pandemia pelo governo federal.
Em conversa por telefone com o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) no início de abril, cuja gravação foi divulgada posteriormente pelo parlamentar, o presidente Jair Bolsonaro se referiu a Rodrigues com palavras de baixo calão, dizendo que teria de “sair na porrada” com ele.
Em entrevista à BBC News Brasil, Randolfe antecipou algumas das questões que devem ser investigadas pela comissão: “O governo rejeitou ou não a oferta de 70 milhões de doses da Pfizer no ano passado? O governo se omitiu ou não no Consórcio Covax Facility, liderado pela OMS? O governo fez ou não campanha contra a Coronavac, que hoje responde pela maioria das doses? E, com isso, interferiu ou não para o atraso da vacinação?”
Renan Calheiros (MDB-AL) – Relator
A possibilidade de Renan Calheiros ser indicado à relatoria da CPI chegou a ser vetada por uma decisão judicial de primeira instância, em ação movida pela deputada Carla Zambelli (PSL-SP), mas foi anulada em segunda instância.
Mesmo antes disso, o próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-RO) havia dito que não sabia uma interferência do Judiciário nessa questão.
O argumento de bolsonaristas é que há um conflito de interesse porque o senador é pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB-AL), que também será alvo da investigação.
Calheiros acabou sendo nomeado mesmo assim pelo presidente da CPI como seu relator. Ele é crítico recorrente de Bolsonaro.
Chamou o presidente de “charlatão” recentemente por ter “prescrito” remédios sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus. Apesar dos comentários, o parlamentar tem repetido que a comissão terá atuação “isenta” e “técnica”.
Em entrevista à BBC News Brasil, o senador afirmou: “A primeira resposta (a ser dada pela CPI) é se houve materialização da tese da imunização de rebanho. A CPI vai dizer se houve ação ou omissão do governo e se isso pode ter agravado as circunstâncias. Em outras palavras: se o governo tivesse acertado a mão, quantas vidas poderiam ter sido salvas no Brasil?”,
Ciro Nogueira (PP-PI)
Um dos principais líderes do Centrão e aliado do governo, o presidente do Progressistas tem repetido em entrevistas que a CPI foi instalada no momento errado, diante do recrudescimento da pandemia, e que foi criada com o único objetivo de atacar o governo federal.
À rádio Jovem Pan o parlamentar disse que mais importante do que investigar a União é apurar os desvios de recursos públicos entre os “bilhões” transferidos a Estados e municípios para o combate à pandemia.
A afirmação faz coro à estratégia do Planalto de tentar tirar o foco do governo federal e antecipa a queda de braço que se desenha entre governistas e oposição.
Na visão de críticos, o escopo demasiadamente amplo com a inclusão dos demais entes da federação pode acabar inviabilizando a investigação na prática, dada a grande quantidade de temas tratados.
Eduardo Braga (MDB-AM)
O atual líder do MDB no Senado chegou a rebater em uma audiência na Casa em fevereiro afirmações dadas pelo então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, de que a pasta não teria sido avisada sobre o colapso no fornecimento de oxigênio à rede de saúde de Manaus.
“Eu estive com Vossa Excelência, no seu gabinete, em dezembro. Eu já dizia que nós iríamos enfrentar uma onda no Amazonas muito grave. Sugeri, inclusive, que assumisse uma unidade hospitalar no Amazonas, diante da comprovação da ineficiência do governo do meu Estado. Eu dizia a Vossa Excelência que, se não tomasse providências para assumir a execução, não seria executado. Isso nós já sabíamos quando da primeira onda”, afirmou.
A crise na capital manauara, marcada pela falta de oxigênio nas unidades de saúde, é mencionada no pedido de abertura da CPI e deve ser um dos temas abordados pela investigação.
Braga governou o Amazonas por dois mandatos, entre 2003 e 2010, e foi ministro de Minas e Energia entre 2015 e 2016, na gestão Dilma Rousseff (PT).
Eduardo Girão (Podemos-CE)
O senador é autor do requerimento para ampliar o objeto de investigação da comissão e incluir a utilização dos recursos dos repasses federais a Estados e municípios no contexto da pandemia.
Apesar de reverberar a estratégia defendida pelo Planalto, o parlamentar se declara independente, argumento que usou para defender sua candidatura à presidência da CPI, sem sucesso.
Junto a Kajuru e Alessandro Vieira, o parlamentar entregou em março ao presidente do Senado um pedido de impeachment contra o ministro do STF Alexandre de Moraes e, nos últimos dias, tem se manifestado pedindo a apreciação da petição.
“Esperamos que, com a mobilização crescente e pacífica dos cidadãos de bem, a Casa Revisora da República não engavete monocraticamente o pedido como tantos outros em gestões de ex-presidentes da instituição”, afirmou em um post no Facebook de 17 de abril.
A demanda vai ao encontro de um dos trechos da gravação da conversa telefônica entre Bolsonaro e Kajuru divulgada pelo senador, em que o presidente da República afirma que vê na situação colocada pela CPI uma oportunidade de “fazer do limão uma limonada” e peticionar o Supremo para pautar os pedidos de impeachment contra os ministros da corte.
A manifestação de Bolsonaro na ocasião foi interpretada por críticos como mais um esforço para desviar o foco do governo federal no âmbito da investigação, alimentando a tensão entre os poderes.
Humberto Costa (PT-PE)
Ex-ministro da Saúde no primeiro governo Lula, o senador petista faz duras críticas à condução da pandemia pelo governo federal e já chegou a acusar o presidente Jair Bolsonaro de cometer crime de responsabilidade.
Também está entre os parlamentares que defendem a abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro no Congresso.
Em entrevista à Rádio Senado, Costa afirmou acreditar que a CPI poderia ser uma forma de pressionar o governo federal “a fazer a coisa certa” no enfrentamento à crise sanitária.
Jorginho Mello (PL-SC)
O parlamentar também é integrante do chamado Centrão, filiado ao Partido Liberal. O presidente da sigla, Valdemar Costa Neto, tem se aproximado de Bolsonaro e já chegou a convidar o presidente a se filiar à legenda.
No último mês de outubro, Mello se tornou um dos vice-líderes do governo no Congresso.
Esteve com o presidente na visita a Chapecó (SC) no início de abril, quando Bolsonaro voltou a criticar as medidas de restrição adotadas por governadores e prefeitos para tentar conter o avanço do contágio da covid-19 e defendeu novamente tratamentos sem eficácia contra a doença.
Em seu perfil no Twitter, o senador afirmou que seu nome como membro da CPI da Pandemia “foi escolhido pelo bloco de partidos aliados ao presidente”.
Marcos Rogério (DEM-RO)
O senador por Rondônia é vice-líder do governo Bolsonaro no Senado. Foi um dos parlamentares que defenderam, no início de abril, a manutenção do funcionamento de igrejas e templos religiosos apesar das restrições impostas pelos lockdowns parciais que tentavam frear o aumento de casos de covid-19 em diversas cidades.
O assunto foi parar no STF, que reconheceu o direito de Estados e municípios de proibir temporariamente missas e cultos presenciais no esforço para diminuir o contágio pela doença.
Em um vídeo veiculado no YouTube do Senado após a votação, o parlamentar criticou o voto do ministro Gilmar Mendes e disse que “não cabe ao Supremo mandar ou autorizar que fechem as igrejas”.
Otto Alencar (PSD-BA)
O líder do PSD no Senado é médico e foi secretário de Saúde da Bahia no início dos anos 1990.
Em entrevistas, tem criticado diversos pontos da condução da pandemia pelo governo federal, como a promoção da hidroxicloroquina (medicamento sem evidências de eficácia, mas que pode causar efeitos colaterais graves) como suposto tratamento precoce e a morosidade na assinatura de protocolos para compra de vacinas.
O parlamentar também tem feito críticas diretas a Bolsonaro. À rádio CBN afirmou recentemente que o presidente seria o responsável pelos erros na gestão da pandemia e que Pazuello teria sido apenas seu “instrumento”.
“Nós também temos que investigar o procedimento que foi estabelecido pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, para que o então ministro Pazuello seguisse exatamente as suas recomendações. Porque, na verdade, o Pazuello foi só um instrumento do presidente da República, ele seguiu exatamente o que o presidente estabelecia como norma e protocolo para a ação do Ministério da Saúde no combate à covid”, declarou.
Tasso Jereissati (PSDB-CE)
Em entrevista à Folha de S.Paulo no último dia 16 de abril, o tucano disse achar “difícil” que eventuais erros e omissões no combate à pandemia identificados pela CPI sejam completamente apartados do presidente Jair Bolsonaro.
Ao ponderar que “só juristas” poderão responder essa questão, o senador relembrou a teoria do domínio do fato, utilizada no julgamento do esquema do Mensalão, que expressa que gestores públicos deveriam responder até mesmo pelos crimes não cometidos de forma direta, caso tivessem conhecimento e controle da situação.
Nesse sentido, Tasso afirmou ainda não haver “dúvida nenhuma que um dos principais culpados pela situação a que nós chegamos é o governo federal”.
Ex-governador do Ceará, o tucano é um dos que defende uma “frente ampla” para se contrapor a Bolsonaro nas eleições de 2022.
FONTE: BBC NEWS